segunda-feira, 23 de junho de 2014

Política de (in)segurança pública.

Há alguns anos (está bem, há vários), uma música dos Paralamas do Sucesso era um hit nas rádios, com a história de um "caboclo presidente" que trazia a solução para o país, com a receita de dar livros para matar a fome do povo e pratos para prover sua educação. Um escracho, obviamente, para demonstrar o quão esdrúxulas eram, à época, as políticas públicas nacionais.

Passado um par de décadas, como diriam os norte-americanos, o "livro pra comida, prato pra educação" na letra daquela música se mantém impressionantemente atual, evidenciando que, por aqui, critérios técnicos parecem não ter nenhuma importância ao se traçar as diretrizes sob as quais o país será governado.

A mais recente epopeia cabocla vem de Minas Gerais, com o candidato a presidente Aécio Neves, que na última semana divulgou os coordenadores para a elaboração de seu plano de governo. Dentre os escolhidos, um chama especialmente a atenção, aquele a quem competirá definir as políticas para a área mais sensível na atualidade brasileira: a segurança pública.

Ao invés de uma opção técnica, o candidato Aécio demonstra ter, mais uma vez, se deixado seduzir pelo proselitismo do politicamente correto, para insistir na falácia de que a violência do país é uma questão social - e, assim, justificar a indicação de um sociólogo para a área. O problema é que tratar como fenômeno social a violência que levou o Brasil ao recorde absoluto de homicídios, com 56.337 vítimas em um ano, é um erro grosseiro, primário até, no qual se vem, inexplicavelmente, insistindo.

A causa primordial para as mortes violentas no Brasil é a prática habitual do crime, à qual aquelas estão, direta ou indiretamente, relacionadas. Mesmo para os menos familiarizados com o assunto essa constatação é simples, basta ler a mais recente edição do Estudo Global de Homicídios (Global Study on Homicide), publicado pela ONU este ano. Lá, na maior e mais respeitada análise mundial sobre o tema, está expressamente registrado que, dentre as três causas em que se divide a motivação homicida, a preponderante no país é a "relacionada com outras atividades criminosas" (related to other criminals activities), e não as político-sociais ou fruto de relações interpessoais (social-political or interpersonal crimes).

Logo, sendo a violência brasileira um fenômeno essencialmente criminal, apenas com o combate ao crime se a poderá enfrentar. Deveria ser óbvio, mas, assustadoramente, não é. Enquanto o crime se expande fortemente no país, multiplicando mortos, os que poderiam enfrenta-lo se curvam a teorias de gabinete ou salas de aula, de onde saem soluções tão mirabolantes quanto ineficazes para a redução dos assassinatos - vide as fracassadas teses de contenção homicida com distribuição de renda e desarmamento civil. 

O problema, definitivamente, insiste em não ser enfrentado como se deve, favorecendo o aumento sucessivo dos já espantosos índices de homicídio no Brasil. Um diagnóstico escancaradamente errado, seguido de um tratamento para uma "doença" diversa da que acomete o enfermo, como se o importante fosse vender o remédio, pouco importando se ele será ou não salvo. A questão é que diagnósticos errados matam, aliás, por aqui, vêm matando muito.

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Fabricio Rebelo é bacharel em direito, pesquisador em segurança pública e diretor na ONG Movimento Viva Brasil.

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