segunda-feira, 21 de julho de 2014

Violência se alastra no interior.

Continua repercutindo, com justificada razão, a mais recente edição do Mapa da Violência, publicada neste mês de julho. O recorde de 56.337 homicídios em 2012 é mesmo assustador e o número de cidades com taxas de homicídio elevadas igualmente impressiona. Contudo, há um fator apontado pelo estudo que demanda especial atenção: a interiorização da violência homicida.

Há cerca de duas décadas, ou até menos, era comum, no discurso de alguém que queria tranquilidade, a afirmação de que se mudaria para o interior. Hoje, a estratégia precisa ser repensada. Muitas cidades do interior possuem taxas de homicídio acima das capitais.

De todas as cidades computadas no Mapa da Violência 2014, a primeira dentre as capitais, Maceió (AL), aparece apenas na 35ª colocação. É a única dentre as 50 primeiras colocadas, que mantêm, todas, taxas superiores a 81 assassinatos para cada 100 mil habitantes. A capital seguinte na lista, Fortaleza (CE), aparece na 60ª colocação.

O levantamento comprova um movimento migratório da violência homicida para o interior dos estados, onde, em regra, a estruturação policial é mais frágil - em alguns municípios é realmente precária. E o pior é que não se tem perspectiva de melhoria a curto ou médio prazo. Ao contrário, o que se tem constatado é um crescimento gradual nas ações criminosas e em sua organização, não raro com cidades inteiras feitas reféns da ação de bandidos.

Na Bahia, por exemplo, os roubos a banco em cidades do interior indicam que a situação saiu do controle. Em 2013, foram 193 ataques e, no primeiro semestre deste ano, o número já se aproxima de 100 ocorrências. São ações de guerrilha, com táticas de ataque bem articuladas, uso de armamento pesado e, quase sempre, explosivos, com os quais cofres e caixas eletrônicos são arrombados – e junto com eles voam pelos ares agências bancárias inteiras.

A população dessas cidades não tem o que fazer, senão assistir a tudo rezando para sair com vida. Em muitos casos, os bandidos iniciam o ataque pelas unidades de polícia, em regra imóveis de pequeno porte com meia dúzia (ou menos) de policiais, e, daí em diante, tomam, literalmente, conta da cidade. Reúnem a população nas praças, servindo-lhes de escudo humano, e atacam as agências, às vezes duas ou três de uma só vez. Fogem exibindo poder de fogo, disparando a esmo seus fuzis 7.62 e, também não raro, levando reféns.

Os ataques deixam mortos. Alguns são os policiais inicialmente feitos de alvo, outros são os reféns ou cidadãos comuns, baleados ao acaso para facilitar a fuga sem perseguição. E em populações mais reduzidas, como na maioria das cidades interioranas, qualquer homicídio adicional tem impacto relevante na respectiva taxa que os contabiliza.

Além dos ataques a banco, as cidades sofrem com a invasão das drogas, principalmente o crack. Em alguns casos a situação é absurda, com proprietários rurais sem conseguir sequer mão-de-obra para a lavoura ou a atividade pecuária, vendo a força de trabalho ser transformada em zumbis que mal conseguem responder o próprio nome. A droga traz o tráfico e, com ele, mais mortes.

Nenhuma atividade criminosa mata mais que o tráfico de drogas, direta ou indiretamente. Ao tráfico estão relacionados os assassinatos em disputas por pontos de venda, os mortos em brigas entre facções rivais, os acertos de conta e os latrocínios resultantes de ações para alimentar o vício, pagar dívidas ou fortalecer financeiramente as quadrilhas. Se o tráfico se alastra, as taxas de homicídio aumentam na mesma proporção.

De sinônimo de tranquilidade, o interior se tornou referência de fragilidade. Com polícia deficitária, população desarmada por ações governamentais e inevitável circulação de dinheiro, tornou-se atrativo polo para a prática delituosa. Os mais recentes números apenas comprovam isso.

A crise na segurança pública brasileira é grave, não havendo êxito sequer na contenção das atividades criminosas nas grandes cidades, com todos os recursos que lhes são inerentes. No interior, sem estes recursos, o quadro é catastrófico, verdadeiramente desesperador. O eixo central das políticas de segurança precisa ser urgentemente revisto, abandonando-se o foco estritamente social e combatendo aquilo que realmente mata, nas capitais ou no interior: a criminalidade habitual.

·        *  Fabricio Rebelo é bacharel em direito, pesquisador em segurança pública, diretor executivo e coordenador da ONG Movimento Viva Brasil na região Nordeste.

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sexta-feira, 11 de julho de 2014

Aécio se cerca de desarmamentistas.

A segurança pública nunca esteve tão no centro das preocupações do brasileiro. O Mapa da Violência, publicado anualmente, vem demonstrando os sucessivos recordes no número de assassinatos, até os espantosos 56.337 casos contabilizados em sua última edição, com uma taxa de 29 homicídios a cada 100 mil habitantes, quase o triplo do máximo aceitável pela ONU (10 / 100 mil) e, por isso, classificada com folga como "violência epidêmica".

Na raiz das causas para essa realidade inglória, desponta inconteste o fracasso das políticas de desarmamento, coroadas no primeiro governo petista, com o estatuto de 2003, lei que não promoveu a mais ínfima redução no número de mortes intencionais violentas, ao contrário. Em 2002, antes do estatuto, foram assassinadas no Brasil 49.695 pessoas; dez anos depois, com sucessivas campanhas de desarmamento e a extinção prática do comércio legal de armas, foram 56.337 vítimas. A constatação é óbvia, sem demandar qualquer esforço adicional de quem toma ciência dos fatos objetivos: a política desarmamentista é um enorme erro.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Política de (in)segurança pública.

Há alguns anos (está bem, há vários), uma música dos Paralamas do Sucesso era um hit nas rádios, com a história de um "caboclo presidente" que trazia a solução para o país, com a receita de dar livros para matar a fome do povo e pratos para prover sua educação. Um escracho, obviamente, para demonstrar o quão esdrúxulas eram, à época, as políticas públicas nacionais.

Passado um par de décadas, como diriam os norte-americanos, o "livro pra comida, prato pra educação" na letra daquela música se mantém impressionantemente atual, evidenciando que, por aqui, critérios técnicos parecem não ter nenhuma importância ao se traçar as diretrizes sob as quais o país será governado.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Desarmamento brasileiro: um fracasso incontestável.

O campo da segurança pública deveria ser imune aos experimentos ideológicos, pois nele as cobaias são os indivíduos, os cidadãos que formam a população de um país. Assim, quando a experiência falha, é essa cobaia que acaba morrendo, e isso, infelizmente, é o que vem se repetindo no Brasil.

O país escolheu o caminho errado quando identificou o grave quadro de violência homicida em que estava imerso, buscando soluções que passavam longe da real causa do problema e que, apenas, pretendiam transferir para a sociedade a responsabilidade por ele. Os resultados foram catastróficos e, hoje, o quadro homicida brasileiro é o pior desde que começou a ser pesquisado, há quase 35 anos.

Os dados estão disponíveis na prévia da edição 2014 do “Mapa da Violência”, o mais confiável do país e que tem reconhecimento oficial pelo Ministério da Justiça, por se basear no Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde. De acordo com ele, o país da Copa do Mundo de Futebol e dos próximos jogos olímpicos alcançou em 2012, o ano mais recente com dados contabilizados, seu recorde anual absoluto de homicídios: 56.337 vítimas, com a maior taxa histórica desde o início de seu cômputo (em 1980), de espantosos 29 assassinatos por 100 mil habitantes.

São números impressionantes, maiores, até mesmo, do que os de países em guerra. Sua explicação, embora possa incluir aspectos mais complexos, como tudo em segurança pública, apresenta um fator preponderante para o agravamento do quadro: o erro do desarmamento civil.

A ideia de desarmamento foi introduzida oficialmente no Brasil em 1997, quando foi promulgada a primeira lei efetivamente restritiva ao porte de arma pelo cidadão (Lei nº 9.437/97), através da qual foi também criado o SINARM – Sistema Nacional de Armas, destinado ao rigoroso controle de sua circulação legal. Poucos anos depois, no final de 2003, a legislação se tornou ainda mais proibitiva, com o “estatuto do desarmamento”, que teve como grande objetivo, justamente, reduzir a quantidade de homicídios no país. Tratava-se da colocação em prática de uma ideologia desarmamentista há muito elaborada pela ONU, ainda que sem nenhum exemplo comprovadamente positivo.

Obviamente, de nada adiantou. Os homicídios, como visto, não foram reduzidos, mas, ao contrário, chegaram agora à sua maior marca, e o que se dizia ser uma solução mágica se tornou um inquestionável e grandioso fracasso. Instituindo como regra geral a proibição à posse e ao porte de armas, o estatuto do desarmamento começou a produzir efeitos em 2004, ano em que foram registrados no Brasil 48.374 homicídios. Quatro anos depois, com a quase extinção prática do comércio legal de armas, os números chegavam a 50.113 (2008) e desde então vêm numa ascendente, até o recorde de 56.337, registrado em 2012.

No mesmo período, a quantidade de armas registradas no país despencou. Dos cerca de 8 milhões de registros que compunham o quadro inicial do SINARM, hoje apenas subsistem aproximadamente 600 mil, diante das grandes restrições impostas ao cidadão, até mesmo para a renovação daqueles registros que já existiam. A lei, assim, além de não contribuir para a redução de homicídios, provocou um enorme descontrole na circulação de armas no país, produzindo um efeito diametralmente oposto ao que se desejava. A realidade prática do experimento ideológico desarmamentista acabou indicando que a redução das armas legalmente em circulação gera um crescimento na quantidade de mortes intencionalmente violentas.

A compreensão deste aumento não é difícil. A questão é que políticas desarmamentistas, no Brasil ou em outros países, somente têm a possibilidade de afetar os crimes passionais, aqueles tratados no “Global Study on Homicide – 2014” da própria ONU como “interpersonal crimes”, cometidos por impulso e para os quais ter legalmente uma arma de fogo poderia ser um facilitador. Contudo, a participação desses crimes na quantidade total de homicídios no Brasil é ínfima, pois no país, de acordo com o mesmo estudo, a causa preponderante para os homicídios é a prática habitual de atividades criminosas – homicides related to other criminals activities -, ou seja, os assassinatos brasileiros têm relação direta com outros crimes, sobretudo o tráfico de drogas e os roubos.

Enquanto o Brasil insistia em políticas desarmamentistas que apenas fragilizavam o cidadão, deixou de combater as atividades criminosas das quais realmente decorrem os homicídios. Sem estar no foco das políticas de segurança pública e com a sociedade gradativamente indefesa, a criminalidade se fortaleceu e, com isso, mais e mais mortos vão sendo contabilizados.

O quadro é extremamente preocupante. O aumento da taxa de homicídios de 2011 para 2012 chegou a 7% e seu número absoluto já se fixou na casa dos 50 mil há 5 anos. Se o foco não for alterado e as políticas de segurança pública não passarem a entender o cidadão responsavelmente armado como um aliado, ao invés de um inimigo, o ano de 2016 poderá revelar mais recordes para o Brasil, porém, sem nenhuma relação com as disputas olímpicas que aqui acontecerão, mas sim com aqueles que, vitimados pela criminalidade, não as poderão assistir.

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Fabricio Rebelo, bacharel em direito, é pesquisador em segurança pública na ONG Movimento Viva Brasil.


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