sábado, 9 de agosto de 2014

Medo em série.

Goiânia, capital do estado de Goiás, se tornou destaque na mídia brasileira e internacional. A ocorrência de assassinatos em série na cidade, vitimando mulheres, vem repercutindo constantemente nos principais jornais do país, chegando às páginas do The New York Times, nos Estados Unidos, e ao portal HLN.be. Desde o início dos ataques, foram vitimadas fatalmente 15 mulheres, com ao menos mais duas investidas frustradas. São números relevantes, que recrudescem a já preocupante tendência de alta de homicídios na cidade, cujas taxas aumentaram mais de 45% em uma década, como apontou a edição 2014 do Mapa da Violência. 

Diferentemente dos crimes ditos comuns, que têm a motivação patrimonial como elemento característico, os ataques intencionalmente letais, dissociados de outros objetivos, são um fator significativamente potencializador do medo na sociedade. Afinal, ao contrário daqueles em que o criminoso é movido pelo desejo de subtrair algo de valor de suas vítimas, ou mesmo daqueles em que busca saciar um impulso sexual, nos assassinatos em série o que se objetiva é puramente a morte. E, se a  morte é o objetivo do criminoso, não há receita para diminuir os riscos de ser vitimado, a não ser se esconder. Contra alguém movido por uma psicopatia homicida, a proteção se resume a não se expor a nada, nem a ninguém.

Os crimes de Goiânia bem demonstram a sensação de impotência da sociedade, pois foram registrados sob as mais diversas situações. A qualquer hora, sem áreas de risco pré-definidas, um indivíduo numa motocicleta se aproxima e atira - ao que se apurou, sem nem mesmo estabelecer um contato com sua vítima. Para quem precisa andar pelas ruas, como se defender?

Contar com a polícia para esclarecer a autoria dos ataques e prender o criminoso é, claramente, insuficiente. Depois do primeiro assassinato, mais 14 mulheres perderam a vida até que surgissem os iniciais indícios de um suspeito. Para elas e suas famílias, nada do que acontecer depois tem a possibilidade de recompor suas perdas ou amenizar a dor.

É difícil dizer o que move a sanha assassina de um criminoso em série, quase sempre permeada por um grave distúrbio psíquico. Porém, é simples identificar um elemento que facilita sua ação: a fragilização da sociedade, de quem se retirou os meios de autodefesa. Ações destemidas e reiteradas, como as do assassino serial de Goiânia, só são possíveis porque não há, para ele, o risco de ser confrontado por suas vítimas ou, principalmente, por alguém que testemunhe o ataque.

Sempre que acontece um assassinato em massa nos Estados Unidos, nos acostumamos a ver surgir por aqui requentadas discussões sobre um maior controle de armas, ainda que, invariavelmente, isso não possa ter o mais ínfimo efeito para conter as ações. Com ataques de assassinos em série, impõe-se a discussão em outro sentido, desta vez com uma propriedade muito maior, relativa à permissão de que potenciais vítimas possam se defender ou ser defendidas por quem testemunha uma agressão.

Não se trata, como muitos insistem em resumir, de estimular que se reaja indistintamente, tampouco de distribuir armas sem critério a uma população. A abordagem precisa ser técnica, relativa ao efeito inibidor que a mera possibilidade de haver vítima ou testemunhas armadas representa para o agressor, algo muito comum aos que se aprofundam no estudo da segurança pública, nele conhecido como Halo Effect - ou efeito auréola, em livre tradução. Trata-se, apenas, de se reconhecer a substancial importância de não dar a criminosos a certeza da ausência de reação, seja por suas vítimas, seja por qualquer outro cidadão que presencie a ação.

Nos Estados Unidos, país com duzentas vezes mais armas legalizadas do que o Brasil e uma taxa de homicídios sete vezes inferior à nossa (29/100 mil aqui X 4,2/100 mil lá), assassinos em série e maníacos sexuais são mote frequente em campanhas publicitárias para estímulo à autodefesa, especialmente de mulheres, suas vítimas preferidas. Há até modelos de armas especiais para o público feminino, com empunhaduras mais delicadas e até cores diferenciadas, como o rosa. Por aqui, notícias sobre a ação de um criminoso serial só escancaram o quão indefesos estamos, fazendo-nos buscar ainda mais refúgio e, paulatinamente, abrir mão de atitudes simples do cotidiano social. 

Não é para menos. Para quem não vê o Estado capaz de conter a escalada de homicídios em que estamos atolados e não tem como se proteger, um exemplo como o do assassino de Goiânia difunde não apenas mortes, mas também um enorme medo em série.


*  Fabricio Rebelo | bacharel em direito, pesquisador em segurança pública e diretor executivo da ONG Movimento Viva Brasil.

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quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Incoerência Tucana

Dando sequência a uma série de entrevistas com os candidatos à Presidência da República, o Portal G1 recebeu, na última segunda-feira, o tucano Aécio Neves. Em meio à habitual repetição do discurso comum à campanha, o candidato respondeu a perguntas enviadas por internautas, dentre as quais duas merecedoras de destaque.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Violência se alastra no interior.

Continua repercutindo, com justificada razão, a mais recente edição do Mapa da Violência, publicada neste mês de julho. O recorde de 56.337 homicídios em 2012 é mesmo assustador e o número de cidades com taxas de homicídio elevadas igualmente impressiona. Contudo, há um fator apontado pelo estudo que demanda especial atenção: a interiorização da violência homicida.

Há cerca de duas décadas, ou até menos, era comum, no discurso de alguém que queria tranquilidade, a afirmação de que se mudaria para o interior. Hoje, a estratégia precisa ser repensada. Muitas cidades do interior possuem taxas de homicídio acima das capitais.

De todas as cidades computadas no Mapa da Violência 2014, a primeira dentre as capitais, Maceió (AL), aparece apenas na 35ª colocação. É a única dentre as 50 primeiras colocadas, que mantêm, todas, taxas superiores a 81 assassinatos para cada 100 mil habitantes. A capital seguinte na lista, Fortaleza (CE), aparece na 60ª colocação.

O levantamento comprova um movimento migratório da violência homicida para o interior dos estados, onde, em regra, a estruturação policial é mais frágil - em alguns municípios é realmente precária. E o pior é que não se tem perspectiva de melhoria a curto ou médio prazo. Ao contrário, o que se tem constatado é um crescimento gradual nas ações criminosas e em sua organização, não raro com cidades inteiras feitas reféns da ação de bandidos.

Na Bahia, por exemplo, os roubos a banco em cidades do interior indicam que a situação saiu do controle. Em 2013, foram 193 ataques e, no primeiro semestre deste ano, o número já se aproxima de 100 ocorrências. São ações de guerrilha, com táticas de ataque bem articuladas, uso de armamento pesado e, quase sempre, explosivos, com os quais cofres e caixas eletrônicos são arrombados – e junto com eles voam pelos ares agências bancárias inteiras.

A população dessas cidades não tem o que fazer, senão assistir a tudo rezando para sair com vida. Em muitos casos, os bandidos iniciam o ataque pelas unidades de polícia, em regra imóveis de pequeno porte com meia dúzia (ou menos) de policiais, e, daí em diante, tomam, literalmente, conta da cidade. Reúnem a população nas praças, servindo-lhes de escudo humano, e atacam as agências, às vezes duas ou três de uma só vez. Fogem exibindo poder de fogo, disparando a esmo seus fuzis 7.62 e, também não raro, levando reféns.

Os ataques deixam mortos. Alguns são os policiais inicialmente feitos de alvo, outros são os reféns ou cidadãos comuns, baleados ao acaso para facilitar a fuga sem perseguição. E em populações mais reduzidas, como na maioria das cidades interioranas, qualquer homicídio adicional tem impacto relevante na respectiva taxa que os contabiliza.

Além dos ataques a banco, as cidades sofrem com a invasão das drogas, principalmente o crack. Em alguns casos a situação é absurda, com proprietários rurais sem conseguir sequer mão-de-obra para a lavoura ou a atividade pecuária, vendo a força de trabalho ser transformada em zumbis que mal conseguem responder o próprio nome. A droga traz o tráfico e, com ele, mais mortes.

Nenhuma atividade criminosa mata mais que o tráfico de drogas, direta ou indiretamente. Ao tráfico estão relacionados os assassinatos em disputas por pontos de venda, os mortos em brigas entre facções rivais, os acertos de conta e os latrocínios resultantes de ações para alimentar o vício, pagar dívidas ou fortalecer financeiramente as quadrilhas. Se o tráfico se alastra, as taxas de homicídio aumentam na mesma proporção.

De sinônimo de tranquilidade, o interior se tornou referência de fragilidade. Com polícia deficitária, população desarmada por ações governamentais e inevitável circulação de dinheiro, tornou-se atrativo polo para a prática delituosa. Os mais recentes números apenas comprovam isso.

A crise na segurança pública brasileira é grave, não havendo êxito sequer na contenção das atividades criminosas nas grandes cidades, com todos os recursos que lhes são inerentes. No interior, sem estes recursos, o quadro é catastrófico, verdadeiramente desesperador. O eixo central das políticas de segurança precisa ser urgentemente revisto, abandonando-se o foco estritamente social e combatendo aquilo que realmente mata, nas capitais ou no interior: a criminalidade habitual.

·        *  Fabricio Rebelo é bacharel em direito, pesquisador em segurança pública, diretor executivo e coordenador da ONG Movimento Viva Brasil na região Nordeste.

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sexta-feira, 11 de julho de 2014

Aécio se cerca de desarmamentistas.

A segurança pública nunca esteve tão no centro das preocupações do brasileiro. O Mapa da Violência, publicado anualmente, vem demonstrando os sucessivos recordes no número de assassinatos, até os espantosos 56.337 casos contabilizados em sua última edição, com uma taxa de 29 homicídios a cada 100 mil habitantes, quase o triplo do máximo aceitável pela ONU (10 / 100 mil) e, por isso, classificada com folga como "violência epidêmica".

Na raiz das causas para essa realidade inglória, desponta inconteste o fracasso das políticas de desarmamento, coroadas no primeiro governo petista, com o estatuto de 2003, lei que não promoveu a mais ínfima redução no número de mortes intencionais violentas, ao contrário. Em 2002, antes do estatuto, foram assassinadas no Brasil 49.695 pessoas; dez anos depois, com sucessivas campanhas de desarmamento e a extinção prática do comércio legal de armas, foram 56.337 vítimas. A constatação é óbvia, sem demandar qualquer esforço adicional de quem toma ciência dos fatos objetivos: a política desarmamentista é um enorme erro.

Data Atual: