sábado, 13 de junho de 2015

Sem pimenta.

O grave equívoco em sugerir o uso de spray de pimenta como instrumento de defesa contra ataques com faca.
A profusão dos casos de ataques com faca na cidade do Rio de Janeiro vem fomentando acalorados debates sobre questões relativas à segurança pública, abrangendo desde a redução da maioridade penal até a possibilidade de defesa das vítimas. Quanto a esta última, uma das discussões atualmente travadas tem cerne na pretensão de que seja liberada a utilização, pelo cidadão comum, de artefatos disparadores de spray de pimenta, com o que se permitiria a reação contra as agressões com lâminas. A proposta, contudo, se revela equivocada.

A liberação é defendida, dentre outros, pelo ex-secretário nacional de segurança pública Ricardo Balestreri, que discorreu sobre o tema em artigo publicado no início do mês. Segundo ele, é humanamente impossível a existência de um policiamento capaz de manter a vigilância em todos os lugares durante todo o tempo, o que imporia conceder ao cidadão um meio de se defender. Trata-se de uma emblemática mudança de postura do ex-secretário, que, à frente da SENASP, era ferrenho defensor de políticas de desarmamento, as quais estão intrinsecamente relacionadas à cultura da não reação. Ao reconhecer a necessidade de que a sociedade disponha de meios defensivos, Balestreri acerta se afastando do império não reativo, mas erra feio ao escolher o instrumento de defesa.

Sprays de pimenta não são artefatos de defesa adequados contra agressões armadas, sejam quais forem as armas. Seu uso somente se viabiliza a curtas distâncias e não causa a paralisação imediata do agressor, podendo, ao contrário, promover a maior irritação deste e, com ela, a prática de ataques ainda mais violentos. Os melhores e mais eficientes meios de defesa são justamente os que evitam o enfrentamento direto ou muito próximo entre a vítima e seu agressor, com o que a chance daquela sair ilesa é expressivamente maior.

Além disso, comparando-se as respectivas potencialidades lesivas, o spray de pimenta situa-se em grau inferior ao das facas. É uma contraposição entre um subterfúgio irritante-dispersivo e algo com contundente ação perfuro-cortante, o que subverte outra premissa básica para o exercício da autodefesa: a de que a eficácia da reação está diretamente relacionada à disponibilidade de meios mais potentes ou, no mínimo, conceitualmente equivalentes aos do agressor.

Fomentar o uso de sprays de pimenta como forma de se defender de ataques com faca beira a leviandade, expondo a riscos demasiados o cidadão que por ventura opte por essa possibilidade. Se é indiscutível a necessidade de exercício efetivo da autodefesa, é imprescindível que para tanto sejam disponibilizados os meios efetivamente adequados, e, nessa área, nada até hoje supera as armas de fogo - exatamente o que é utilizado preferencialmente pelos órgãos de segurança. São elas que precisam voltar a ser acessíveis ao cidadão comum, retomando-se um mínimo de equiparação de forças entre a sociedade e os criminosos. Misturar facas com pimenta só dá certo em um lugar: na cozinha, preparando o tempero. E que assim continue.

Fabricio Rebelo, pesquisador em segurança pública, bacharel em Direito, assessor jurídico

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