domingo, 14 de dezembro de 2014

O impacto do Estatuto do Desarmamento nos homicídios brasileiros.*

Uma breve análise estatística sobre os efeitos do Estatuto do Desarmamento nas taxas gerais de homicídio brasileiras e no percentual de assassinatos cometidos com arma de fogo.

Após onze anos vigente, o Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03) voltou ao centro das discussões no Congresso Nacional, diante da tramitação do Projeto de Lei 3722/12, que propõe sua revogação e a criação de novas regras para a circulação de armas de fogo no país. No dia 26 de novembro, a Comissão Especial da Câmara dos Deputados responsável pela análise do texto realizou uma movimentada audiência pública, quando quase uma centena de pessoas lotou o plenário a ela reservado e muitas outras ficaram de fora. Nos debates, discursos favoráveis e contrários à revogação do estatuto, uns recheados de números, outros marcados por ideologia, mas duas correntes claramente contrapostas.

sábado, 13 de dezembro de 2014

Substitutivo desastroso

A completa desfiguração do projeto de lei 3722/12, que revoga o Estatuto do Desarmamento, pelo substitutivo apresentado pelo relator Cláudio Cajado (DEM/BA).
Há uma máxima nos bastidores da política que diz que apenas é possível conhecer o início de um projeto de lei, mas não seu final, pois tudo pode ser mudado. Nada mais correto. Emendas, destaques, substitutivos, vetos... são inúmeros os instrumentos para que um texto seja alterado durante a tramitação. Ainda assim, não é comum ver uma matéria ser completamente modificada e receber um tratamento em sentido diametralmente oposto àquilo que se idealizou. Foi o que aconteceu com o PL 3722/12.

sábado, 6 de dezembro de 2014

Desarmamento na Folha: devolvendo a honestidade intelectual ao louvável debate.

Uma análise corretiva imprescindível ao texto publicado na Folha de São Paulo em defesa do estatuto do desarmamento.
A Folha de São Paulo trouxe nesse sábado (06/dez) aos seus leitores um interessante debate sobre a revogação do Estatuto do Desarmamento, através de dois artigos contrapostos. Um deles é assinado pelo deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB/SC), autor de um projeto de lei que reformula a legislação sobre armas de fogo no Brasil, adotando uma sistemática de controle diferente da estabelecida no atual estatuto e, consequentemente, revogando-o. O texto de Peninha, obviamente, apresenta os argumentos para que seu projeto seja aprovado, valendo-se de dados objetivos, como o resultado do referendo de 2005, a redução de 90% no comércio de armas no país e o aumento dos homicídios, com o recorde em 2012 (56.337 mortes, ou 29 assassinatos para cada 100 mil habitantes).

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

EUA: novo recorde em venda de armas e nova queda de criminalidade

A divulgação dos números de venda de armas de fogo nos Estados Unidos confirma a tendência de armamento de sua população civil, ao mesmo tempo em que os dados criminais do FBI ratificam mais uma queda nas taxas de delinquência.
Em 2013, em meio às pretensões presidenciais de impor maiores restrições à venda de armas de fogo, a população norte-americana deu um claro recado de seu entendimento sobre o assunto e bateu o recorde de compra de armas na Black Friday, tradicional liquidação no comércio. Foram 144 mil vendas em um só dia e o entendimento geral buscou justificar o número tão expressivo no receio de que, de fato, comprar esses artefatos nos Estados Unidos se tornasse mais difícil.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Os resultados (e os rumos) do desarmamento no Brasil

Apesar de defendido pelo Governo Federal e por entidades antiarmas, os resultados do estatuto do desarmamento para a segurança pública brasileira permanecem negativos.
Quando o estatuto do desarmamento foi aprovado, em 2003, o Brasil estava atônito com uma altíssima quantidade de homicídios, que, naquele ano, somaram 51.043 ocorrências, de acordo com o Mapa da Violência, estudo adotado oficialmente pelo Ministério da Justiça. A nova lei se apresentava como solução para tão grave problema e prometia reduzir drasticamente o total de assassinatos no país, através de rígidas restrições ao acesso às armas pelo cidadão comum.

O estatuto, de fato, produziu inegável impacto na aquisição e posse de armas de fogo pela sociedade. Das cerca de 2,4 mil lojas especializadas em venda de armas registradas junto à Polícia Federal no ano 2000, restavam, em 2010, menos de 280. Uma redução de 90%. 

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Desarmamento - audiência contra a ideologia

A expectativa quanto à audiência pública a ser realizada pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados sobre o projeto de lei que substitui o estatuto do desarmamento.
Após mais de dois anos de tramitação, a Câmara do Deputados realizará, no próximo dia 26 de novembro, uma audiência pública sobre o Projeto de Lei nº 3722/12, de autoria do deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB/SC), que propõe a revogação o estatuto do desarmamento, substituindo-o por outro sistema de regulamentação. Dentre os palestrantes convidados, me farei presente à mesa, quando espero ter a oportunidade de apresentar um pouco dos dados sobre os impactos do desarmamento na segurança pública, pesquisados ao longo dos últimos anos.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Assaltantes se valem de distração das vítimas

Matéria em vídeo da Rede Record Bahia, abordando medidas de precaução para tentar minimizar os riscos de assalto no comércio.

Assista direto em 

sábado, 25 de outubro de 2014

Movimento Viva Brasil cumpre agenda em Brasília.

Na última quarta-feira (22) o Movimento Viva Brasil, tradicional entidade defensora do direito à legítima defesa, cumpriu agenda na Câmara dos Deputados, em Brasília, numa série de reuniões com parlamentares. Na pauta, a defesa dos interesses dos CAC - Colecionadores, Atletas e Caçadores contra novas restrições impostas pelo Exército Brasileiro, melhores estratégias para a tramitação do PL 3722/12, que revoga o estatuto do desarmamento, e o fortalecimento da base de apoio à sua aprovação.

Abaixo, o registro do encontro do presidente e do diretor executivo do MVB, Bene Barbosa e Fabricio Rebelo, com o Deputado Rogério Peninha Mendonça.


Fabricio Rebelo, Dep. Peninha e Bene Barbosa

Surto de precipitação.

A indisfarçável expectativa de se poder noticiar tragédias com armas suplantando a efetiva apuração de ocorrências criminais comuns.
Na última terça-feira, disparos realizados dentro da faculdade Área 1, em Salvador, causaram pânico entre alunos, professores e funcionários da instituição. Num primeiro momento, em versão atribuída à própria polícia, o episódio foi narrado como fruto do ataque de um estudante que, tal como se reproduz freneticamente nas ocorrências nos Estados Unidos, teria entrado em surto e saído atirando nos colegas. Vários veículos locais de mídia estamparam essa versão, em manchetes acompanhadas de um chamativo "urgente". Não era, contudo, nem perto da realidade.

Os disparos ocorridos nas instalações da faculdade, conforme logo em seguida se apurou, não decorreram de nenhum surto, muito menos um ataque contra alunos da instituição. O que houve foi, apenas, mais uma reação a um assalto. Um dos alunos da faculdade, policial, foi abordado por um adolescente de 17 anos que, armado, tentava roubar-lhe a moto. Ao ser abordada, a vítima reagiu e acertou algumas vezes o criminoso, que tombou e veio a falecer em seguida.

Não é, obviamente, a primeira e nem será a última vez que uma notícia envolvendo armas de fogo tem sua versão inicial muito distante da realidade que, já no momento seguinte, é apurada. O episódio, contudo, chama a atenção para uma postura, talvez até inconsciente, de espera pela carnificina que dê notícia, quase implorando para que tenhamos no Brasil uma Columbine ou a repetição de Realengo. 

Nos Estados Unidos, de onde se repercute - muito mais por aqui, é verdade - episódios de ataques contra escolas e universidades, alvos preferidos de psicopatas que ali não encontram resistência armada, os defensores de restrições ao armamento civil são vistos como abutres, que comemoram tragédias para reacender a discussão sobre suas ideologias. Por aqui, a contaminação parece já ser a mesma, com o esquecimento de que nosso problema não passa nem perto de ataques em escolas e de que nossa taxa de homicídios - sete vezes maior que a norte-americana - tem no crime comum sua raiz. 

No Brasil, um disparo em local público jamais deveria ser inicialmente compreendido como um ataque insano, mas como repetição cotidiana da assustadora ação de criminosos comuns, os efetivos responsáveis pelas estatísticas de guerra civil que acumulamos.

O episódio da Área 1 é apenas mais um em que os disparos não foram praticados por um psicopata assassino, mas por quem se defendia de um criminoso que intentava praticar um roubo. Uma bem-sucedida reação legal armada a uma investida criminal também armada. Se algum surto houve no episódio, foi apenas de precipitação por quem o inicialmente noticiou.


*  Fabricio Rebelo | bacharel em direito, pesquisador em segurança pública e diretor executivo da ONG Movimento Viva Brasil.


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terça-feira, 7 de outubro de 2014

Reagir ou não reagir, eis a... situação!

A impossibilidade de se rotular um padrão comportamental da vítima de assalto como correto, muito menos como garantia de sair viva da ocorrência.
Ganhou bastante repercussão o caso da ex-judoca e atual remadora Bianca Miarka, que reagiu a um assalto nas proximidades da USP, desarmando um bandido que a ameaçava e entrando em luta corporal com ele. A tônica predominante no debate sobre a ocorrência, como de regra se verifica em situações assim, foi a de crítica à atitude da atleta por ter reagido, afinal, como todos deveriam saber, jamais se deve reagir a um assalto, pois quem reage quase sempre morre. Não é verdade? 

Pois é, a resposta a essa pergunta retórica deve ser um sonoro "não". Embora tenhamos nos habituado à massificação do discurso por jamais reagir, a verdade é que não há fórmula comportamental correta durante um assalto, muito menos um padrão que assegure à vítima sair com vida. 

O caso da atleta não é raro. Todos os dias diversas vítimas de assalto reagem à investida de bandidos e, com isso, escapam. Outras reagem e acabam baleadas ou mortas, do mesmo jeito que outras tantas são assassinadas sem o menor esboço de qualquer ato reativo. O que determina o desfecho de uma ação criminosa violenta são as circunstância sob as quais ela ocorre.

Não reagir não é garantia de não ser morto, do mesmo modo que uma reação não é um ato suicida. Em verdade, muitas vezes reagir é a única chance que a vítima tem de se manter viva contra a ação de um criminoso já predisposto a matá-la, como foi o caso da remadora Bianca, que, ao analisar a situação em que estava envolvida, identificou a alteração psicológica em seu agressor e a intenção deste em disparar a arma que a apontava. Naqueles instantes, que não costumam durar mais do que segundos, seu senso de autopreservação falou mais alto e daí se desenvolveu a reação. Ela se machucou, é verdade, mas está viva, e é o que importa.

Não se pode desconsiderar que reagir a um perigo é um ato instintivo e, por isso mesmo, algumas vezes incontrolável. Dizer a alguém para simplesmente não reagir é como ordenar a quem se afoga que não tente chegar à superfície, ou seja, algo que não se pode apenas obedecer. Por isso, ao invés de entoar simploriamente o discurso do "não reaja", muito mais proveitoso seria estimular e capacitar os indivíduos para, durante um assalto, saberem avaliar cada detalhe da situação e, somente a partir de então, adotar a conduta mais adequada para se manterem vivos e com os menores danos.

Dizer que reação é errado é muito fácil quando alguém reage e morre, mas o que se poderia dizer a quem tem chance de reagir, não o faz e morre do mesmo jeito? Segurança pública não é fórmula matemática, onde determinados fatores sempre conduzem a um mesmo resultado. Cada ocorrência é fruto de uma ação humana e, portanto, variável. O fundamental é saber avaliá-las.


*  Fabricio Rebelo | bacharel em direito, pesquisador em segurança pública e diretor executivo da ONG Movimento Viva Brasil.

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quinta-feira, 18 de setembro de 2014

O novo entendimento do STJ sobre a renovação de registro de arma de fogo

Recente decisão do Superior Tribunal de Justiça afastou a configuração do crime de posse irregular de arma de fogo nas hipóteses de registro com validade expirada.
O Superior Tribunal de Justiça lançou nova luz sobre o tratamento penal da posse irregular de arma de fogo. No julgamento do habeas corpus nº 294.078, originário de São Paulo, a corte, por sua Quinta Turma, pela primeira vez afastou a configuração de crime por alguém manter em seu poder uma arma de fogo com registro vencido. Um importantíssimo precedente que, embora ainda não refletindo a maioria do entendimento sobre o tema - inclusive naquele próprio tribunal -, pode indicar uma significativa evolução, não só na aplicação do vigente estatuto do desarmamento, mas na própria alteração das leis que regulamentam o acesso a armas.

Previsto no artigo 12 do atual estatuto, o crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido permaneceu sem aplicação prática até 31 de dezembro de 2009, época até a qual foi possibilitado aos possuidores de tais artefatos promover seu recadastramento ou registro inicial junto à Polícia Federal, num procedimento popularmente conhecido como “anistia”.

A matéria foi regulamentada nos artigos 5º, § 3º, e 30 da Lei 10.826/03, com a prorrogação estabelecida no artigo 20 da Lei nº 11.922/09:

Lei 10.826/03 | "Art. 5º (...)

§ 3º O proprietário de arma de fogo com certificados de registro de propriedade expedido por órgão estadual ou do Distrito Federal até a data da publicação desta Lei que não optar pela entrega espontânea prevista no art. 32 desta Lei deverá renová-lo mediante o pertinente registro federal, até o dia 31 de dezembro de 2008, ante a apresentação de documento de identificação pessoal e comprovante de residência fixa, ficando dispensado do pagamento de taxas e do cumprimento das demais exigências constantes dos incisos I a III do caput do art. 4º desta Lei.

[...]

Art. 30. Os possuidores e proprietários de arma de fogo de uso permitido ainda não registrada deverão solicitar seu registro até o dia 31 de dezembro de 2008, mediante apresentação de documento de identificação pessoal e comprovante de residência fixa, acompanhados de nota fiscal de compra ou comprovação da origem lícita da posse, pelos meios de prova admitidos em direito, ou declaração firmada na qual constem as características da arma e a sua condição de proprietário, ficando este dispensado do pagamento de taxas e do cumprimento das demais exigências constantes dos incisos I a III do caput do art. 4º desta Lei.”

Lei 11922/09 | “Art. 20. Ficam prorrogados para 31 de dezembro de 2009 os prazos de que tratam o § 3º do art. 5º e o art. 30, ambos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003”.

Encerrado o prazo, todas as armas passaram a exigir a renovação de seus registros a cada três anos (Lei 10.826/03, art. 5º, §2º) e o tipo penal adquiriu sua plena eficácia. Desde então, vem sendo responsável por boa parte das condenações derivadas do próprio estatuto do desarmamento e é graças a ele, inclusive, que os ideólogos antiarmas conseguem, capciosamente, sustentar até hoje a alegação de que boa parte das armas envolvidas em crimes um dia tiveram origem lícita.

Isso porque, até a recente decisão do STJ, a irregularidade na posse da arma para a configuração do delito era tomada em sentido amplo, sendo equiparadas as armas jamais registradas e aquelas cujo registro teve sua validade expirada. Assim, se alguém que um dia comprou legalmente uma arma simplesmente deixou de renovar seu registro, já estava praticando um crime, ainda que exclusivamente restrito à própria posse daquela, ou seja, bastava que uma arma de origem lícita tivesse seu registro vencido para já ser considerada uma “arma do crime”.

O entendimento agora alcançado, contudo, estabeleceu nítida distinção entre a posse intencionalmente irregular e aquela decorrente da mera inobservância de um procedimento burocrático. Conforme entenderam os ministros do STJ, acompanhando o voto do relator Marco Aurélio Bellizze, se uma arma foi originalmente registrada, a ausência de renovação do respectivo registro “não pode extrapolar a esfera administrativa”, não se prestando, portanto, à configuração de crime, uma vez que, para o Direito Penal, a mera falta daquela renovação não apresenta relevância capaz de automaticamente transformar o proprietário da arma em criminoso. Com isso, a ele podem ser aplicadas, tão somente, sanções de âmbito administrativo, mas não penais.

O voto condutor segue a linha intelectiva que reconhece a necessidade de observância, na aplicação das leis penais, do princípio da fragmentariedade, sedimentando, num desdobramento do próprio princípio da insignificância, a tendência da intervenção penal mínima. O entendimento é assim elucidativamente delineado pelo Relator:

"Todavia, no meu entender, estando registro vencido, a questão não pode extrapolar a esfera administrativa, uma vez que ausente a tipicidade imprescindível para a caracterização de ilícito penal, e aqui me refiro à tipicidade material, a qual surgiu de construção doutrinária na busca pela observância da natureza fragmentária e subsidiária do Direto Penal, aplicável àquelas condutas que não atingem de forma socialmente relevante o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora."

Além da inédita análise técnica sob o prisma penal, a decisão também pode ser considerada um marco crítico à já desgastada legislação vigente. Ao proferir o voto, acompanhado à unanimidade pela turma julgadora, o relator rotulou de “absurda e desnecessária” a exigência de renovação de registros de arma de fogo a cada três anos, ao tempo em que ilustrou a possibilidade de adequada evolução legislativa com o Projeto de Lei nº 3722/12, que, revogando o estatuto do desarmamento e estabelecendo novo conjunto de regras sobre a circulação de armas no país, “somente prevê como típica a conduta de possuir arma de fogo sem registro”.

Definitivamente, é uma decisão de extrema relevância e digna de ser comemorada, não só no meio jurídico, mas em toda a sociedade. Não se desconhece o fato de, conforme registrado nela própria, subsistir entendimento diverso sobre o assunto; porém, a hegemonia deste foi quebrada e, com isso, abrem-se as portas para mudanças ainda mais profundas.

Afinal, ao se reconhecer que um mero registro de arma vencido não autoriza a caracterização de um crime, não mais se justifica impedir que a exigência burocrática para a sua posse seja regularizada a qualquer tempo, tornando permanente aquela anistia vigente até 2009. Esta, aliás, é outra evolução contida no mesmo PL 3722 citado no voto, cuja análise, como se vê, já extrapolou o Poder Legislativo e alcançou o Judiciário, só restando esperar que, concretizando o avanço ali sinalizado, tenha seu ato final no Executivo, com a sanção necessária a que entre em vigor.


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sábado, 6 de setembro de 2014

Números do Unicef são alarmantes - especialmente para os adultos.

As conclusões ocultas no estudo divulgado pelo Unicef sobre homicídios de crianças e adolescentes.
O Fundo das Nações Unidas para a Infância - Unicef divulgou no último dia 04 o estudo Hidden in Plain Sight (Escondidos à Plena Vista, em livre tradução), sobre homicídios de crianças e adolescentes em 190 países. Os dados sobre o Brasil são impressionantes, com o país figurando na segunda colocação em números absolutos de mortos e com a sexta pior taxa de homicídios nesse segmento populacional. Porém, além das conclusões diretas sobre assassinatos de crianças e adolescentes, a análise dos números conduz à constatação de um quadro ainda pior, sobre a alarmante taxa de homicídios brasileira na população acima dos 20 anos.

De acordo com os dados do Unicef, em 2012, ano a que se refere o estudo, foram vitimados no Brasil 11 mil crianças e adolescentes, assim considerados os com idade de zero até 19 anos, o que corresponde à taxa de 17 homicídios por 100 mil habitantes nessa faixa etária, ali também apontada. Naquele ano, a população brasileira, de acordo com indicadores do IBGE, somava 193.946.866 habitantes, o que, aplicando-se a fórmula de cálculo da taxa de homicídios (número de vítimas X 100.000 ÷ população), conduz à conclusão de que, em 2012, a população de crianças e adolescentes no Brasil era de 64.705.882.

Para o mesmo ano, o Mapa da Violência, estudo com conotação oficial utilizado no Brasil, registrou seu número recorde de assassinatos, com 56.337 vítimas, resultando na taxa geral de 29,05 mortos por 100 mil habitantes (também recorde). Assim, se os dados do Unicef estão corretos - e presume-se que estejam -, do número total de homicídios praticados no Brasil em 2012, 11 mil foram de crianças e adolescentes e o restante (45.337) de pessoas com vinte anos ou mais.

Por outro lado, tomando-se o total da população e a fração correspondente a crianças e adolescentes - revelada pelos dados do Unicef -, havia em 2012 no Brasil 129.241.004 pessoas com idade igual ou superior a 20 anos. E é aí que surge o dado mais preocupante, pois foi nesse universo que foram cometidos todos os demais homicídios, ou seja, dentre a população adulta, foram assassinadas 45.337 pessoas. Consequentemente, à época, a taxa de homicídios nessa faixa etária alcançou espantosas 35,08 ocorrências por 100 mil habitantes.

A grave realidade evidenciada pelo cotejo dos dados do IBGE, do Mapa da Violência e do Unicef para o ano de 2012 pode ser assim traduzida:


QUANTIDADE
NÚMERO DE HOMICÍDIOS
TAXA
POR 100 MIL
População total
193.946.886
56.337
29,04
Crianças e adolescentes
64.705.882
11.000
17,00
Adultos (≥ 20 anos)
129.241.004
45.337
35,08

O quadro agora retratado pelo Unicef sobre os homicídios de jovens é gravíssimo, sem nenhuma dúvida. Ver o fim de vidas que apenas deveriam estar começando é sempre inaceitável. Porém, a conclusão oculta nos mesmos números é ainda pior, evidenciando que a epidemia homicida no Brasil atinge os adultos de forma cruel, numa taxa três vezes e meia superior ao máximo aceitável pela ONU (de 10 por 100 mil).

Logo, apesar do impacto da violência contra os mais novos, é premente que a situação seja compreendida em sua inteireza, e não considerando estatísticas parciais, isolando segmentos populacionais. A gravidade do quadro é generalizada e é assim que ele precisa ser combatido. A infecção homicida não é isolada, mas de verdadeira sepsemia.


*  Fabricio Rebelo | bacharel em direito, pesquisador em segurança pública e diretor executivo da ONG Movimento Viva Brasil.

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terça-feira, 2 de setembro de 2014

Sem direito a porte de arma, atirador desportivo morre em assalto.

Uma lamentável prova do grande risco a que estão expostos atiradores desportivos, ao serem obrigados a transportar suas armas em condições que impeçam seu uso para autodefesa.
O atirador desportivo Bruno Facchineli morreu durante um assalto em São Paulo, na noite do último sábado (30). Após a abordagem, os criminosos encontraram no carro de Bruno uma maleta (case) com uma pistola .40, usada por ele para a prática esportiva e que, na ocasião, estava sendo transportada como impõem as regras do Exército Brasileiro para essa categoria, isto é, desmuniciada e em embalagem própria.

Como nada ligam para as regras do Exército, os criminosos, ao encontrarem a arma, acharam que a vítima era policial e anunciaram que ele seria morto. Para tentar escapar, Bruno pulou do carro em movimento e não resistiu aos ferimentos.

A tragédia evidencia o grande risco a que estão submetidos os praticantes do Tiro Desportivo, que seguem obrigados por regras leoninas a transportarem suas armas sem que estejam aptas ao seu uso para defesa. A eles, também não é reconhecido o direito ao porte geral de arma de fogo, previsto na Lei nº 10.826/03 - o estatuto do desarmamento -, mas ainda não implementado, ao menos sob a concepção das autoridades que o poderiam autorizar.

Há mais de dois anos, uma audiência pública realizada na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados discutiu uma série de projetos de lei sobre porte de arma. Dentre eles, o PL 6.971/10, que trata dessa autorização para os atiradores desportivos e cuja defesa, na ocasião, honrosamente foi a mim delegada.

Em minha exposição, enfatizei, justamente, os riscos a que estão expostos os integrantes dessa categoria, a mais fiscalizada dentre as com acesso a armas de fogo e a menos prestigiada por nossa legislação. Expliquei o quão temerário é transportar armas sem condição de proteger-se com elas, ou mesmo protegê-las da investida de criminosos que as queiram subtrair. Fui enfático, o que, espero, tenha contribuído para a aprovação do projeto naquela comissão, cerca de um ano depois. Porém, desde então, a proposta segue parada na Comissão de Constituição e Justiça.

O vídeo daquela audiência está disponível abaixo. O que ali se abordou já parece mais do que suficiente para a aprovação do projeto, mas isso já virá tarde para o desportista Bruno, que, caso pudesse usar aquela arma para sua defesa, poderia ter tido outra sorte. Resta-nos esperar que outros casos semelhantes não ocorram enquanto o texto ainda é analisado.


domingo, 31 de agosto de 2014

Discurso desarmamentista tem hegemonia quebrada.

  • A mudança na postura de candidatos quanto às políticas de desarmamento impostas à sociedade brasileira.

À época do referendo sobre o comércio de armas e munições no Brasil, realizado em 2005, artistas, a grande mídia e a absoluta maioria dos políticos entoavam em uníssono o discurso favorável à aprovação do banimento. Surgiram os rótulos dicotômicos, entre os "da paz" e os "da bala", estes últimos aos quais era reservada a pecha de violentos, insensíveis e cruéis - afora um ou outro tom ainda mais ríspido, que lhes buscava questionar, até mesmo, a masculinidade. Raras eram as oportunidades em que os rótulos permitiam discussões técnicas e a sensação comum era a de vitória esmagadora do "sim".

Não foi o que aconteceu. Com um discurso embasado numa análise racional e que buscava preservar a possibilidade de legítima defesa como um direito, os contrários à proibição sagraram-se expressivamente vencedores, com mais de 60% dos votos computados. Nem assim a postura majoritária foi alterada e o que se viu, desde então, no campo político foi a sustentação a uma diretriz de governo que, desconsiderando a derrota nas urnas, impunha à sociedade a opção derrotada, criando entraves quase intransponíveis a quem tivesse interesse em adquirir uma arma. Campanhas de desarmamento se multiplicavam e as únicas representações da sociedade civil que tinham espaço eram as ricas ONGs desarmamentistas, parceiras do Ministério da Justiça.

Enquanto o governo seguia impondo o desarmamento, a violência crescia gradativamente no país, especialmente a homicida. Nem a quase extinção prática do comércio de armas (que sofreu 90% de redução), nem o recolhimento de centenas de milhares delas promoveram o menor efeito sequer para redução da criminalidade. Ainda assim, o discurso "da paz" era a tônica oficial e se podia contar nos dedos quantos políticos o confrontavam, sempre sob a mácula de integrarem a "bancada da bala", supostamente sustentada pela mítica indústria de armas e munições, como se esta fosse a expressão do mal na terra, de nada importando seu papel essencial na manutenção das próprias forças policiais brasileiras.

A hegemonia do discurso desarmamentista, no entanto, começou a ruir em 2012, pouco mais de seis anos após o referendo. Após a repercussão em redes sociais de um artigo jurídico criticando o estatuto do desarmamento, um deputado catarinense, em seu primeiro mandato federal, encampou a ideia de completa alteração da legislação atual e apresentou o Projeto de Lei n° 3.722/12, que revoga o estatuto do desarmamento e institui novas regras para a circulação de armas no país, mantendo-as sob controle do Estado, mas respeitando a vontade manifestada pela população, maciçamente contrária ao banimento das armas.

Logo após a apresentação do projeto, não lhe faltaram críticas dos setores "da paz". Contudo, muito maior do que elas foi o apoio popular à proposta, que rapidamente se tornou a mais bem avaliada no Disque Câmara e em diversos outros meios de submissão de projetos de lei à consulta da sociedade. O discurso favorável à legitima defesa cresceu substancialmente, tendo como combustível o incontestável fracasso do desarmamento, sob a égide do qual o Brasil alcançou seu recorde absoluto em número de homicídios, com mais de 56 mil assassinatos, em 2012.

Agora, em plena campanha eleitoral, são já incontáveis os candidatos que trazem no discurso a crítica ferrenha ao estatuto do desarmamento, propondo apoiar sua revogação e restabelecer o direito do cidadão à legítima defesa. Como expressão máxima desse fenômeno, no primeiro debate na TV aberta para o mais alto cargo em disputa, o de Presidente da República, um dos candidatos foi enfático ao defender que "todo cidadão tem o direito de ter uma arma em casa para defender sua família", algo absolutamente impensável há quatro anos, quando ocorreu a última campanha em âmbito federal.

Não importa quantos desses candidatos que agora assumem a crítica ao desarmamento serão eleitos - e, ao que indicam as pesquisas, muitos serão -, a primeira grande vitória contra as prejudiciais políticas desarmamentistas já foi alcançada. Com maciço apoio popular e multiplicação de representantes do direito à legitima defesa, a chamada "espiral do silêncio", que há anos imperava em favor do discurso antiarmas, foi quebrada. O próximo passo é revertê-la, ao ponto em que defender o desarmamento será motivo de vergonha - para quem a tem, claro.


*  Fabricio Rebelo | bacharel em direito, pesquisador em segurança pública e diretor executivo da ONG Movimento Viva Brasil.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Desaparecimento de advogado tem marca da impunidade.

  • Como foi possível a um foragido da Justiça viver livremente na capital baiana e continuar a cometer crimes graves.

A polícia baiana segue investigando o desaparecimento do advogado Ricardo Melo, ocorrido em abril deste ano. A hipótese mais provável, até o momento, é a de sequestro, sendo apontado como principal suspeito um vizinho, última pessoa a ser flagrada em sua companhia, através do circuito de monitoramento de vídeo de um posto de combustíveis.

O vizinho em questão é Paulo Roberto Gomez Guimarães Filho, vulgo "Paulinho Mega", um foragido da Justiça que vivia tranquilamente na capital baiana e que, segundo a polícia, se aproximou do advogado já com o objetivo de praticar o crime. Mega - que advém de seu traço megalomaníaco - tem longa ficha criminal, iniciada no estado do Mato Grosso, onde foi preso por tráfico internacional de drogas e homicídio. Condenado, conseguiu um dos muitos benefícios da legislação de execução penal brasileira e foi transferido para Salvador, onde passou a cumprir a pena em regime domiciliar. Foi a chance para continuar a delinquir.

Além do advogado Ricardo, outro vizinho já havia sido vítima de Mega. Um amigo de infância, apelidado de Kiko, após descobrir detalhes reveladores das mentiras em que o acusado vivia, foi assassinado a mando dele, também em Salvador. É o segundo homicídio apurado em sua carreira delinquente, que teve sua primeira morte permeada de grande crueldade, com a vítima sendo longamente torturada em um motel antes de ser assassinada.

Com uma ficha de crimes tão extensa, é de se indagar como Paulinho Mega continuava solto e, mais, sem nenhuma preocupação com sua condição de foragido da Justiça. Ele sequer se escondia, morando com o pai, em um dos bairros mais nobres da capital baiana, rodeado de integrantes da dita "alta sociedade".

O caso, embora chocante, é só mais um a evidenciar a falência do sistema punitivo brasileiro, que permite a criminosos de alto grau de periculosidade permanecerem em liberdade e continuarem a praticar crimes. No início do mês, uma chacina foi cometida no subúrbio ferroviário de Salvador, deixando seis mortos. O autor foi um detento que, beneficiado pela saída provisória para os Dia dos Pais, resolveu acertar contas com um desafeto, matando parentes e amigos deste, além de um homem que apenas passava pelo local.

A legislação penal sobre o cumprimento de penas no Brasil precisa ser urgentemente revista. É insustentável continuar concedendo benefícios como progressões de regime, saídas temporárias e indultos de forma indiscriminada, como na prática impõe uma realidade carcerária que impede ao Judiciário realizar uma análise individualizada de quem, efetivamente, pode ter direito a essas concessões.

A lógica do erro atual é a de que, sendo impossível aferir criteriosamente as concessões, para não deixar de beneficiar um preso que realmente faça jus ao benefício, acaba-se estendendo-o a muitos. Prioriza-se o direito dos presos, em detrimento da segurança da sociedade. Uma lógica invertida, pois punição pela prática de crime não pode ter como foco primordial qualquer direito do criminoso, mas a preservação daqueles que são por ele postos em risco. Se assim não o for, não há justiça penal,  há impunidade.

*  Fabricio Rebelo | bacharel em direito, pesquisador em segurança pública e diretor executivo da ONG Movimento Viva Brasil.

sábado, 9 de agosto de 2014

Medo em série.

Goiânia, capital do estado de Goiás, se tornou destaque na mídia brasileira e internacional. A ocorrência de assassinatos em série na cidade, vitimando mulheres, vem repercutindo constantemente nos principais jornais do país, chegando às páginas do The New York Times, nos Estados Unidos, e ao portal HLN.be. Desde o início dos ataques, foram vitimadas fatalmente 15 mulheres, com ao menos mais duas investidas frustradas. São números relevantes, que recrudescem a já preocupante tendência de alta de homicídios na cidade, cujas taxas aumentaram mais de 45% em uma década, como apontou a edição 2014 do Mapa da Violência. 

Diferentemente dos crimes ditos comuns, que têm a motivação patrimonial como elemento característico, os ataques intencionalmente letais, dissociados de outros objetivos, são um fator significativamente potencializador do medo na sociedade. Afinal, ao contrário daqueles em que o criminoso é movido pelo desejo de subtrair algo de valor de suas vítimas, ou mesmo daqueles em que busca saciar um impulso sexual, nos assassinatos em série o que se objetiva é puramente a morte. E, se a  morte é o objetivo do criminoso, não há receita para diminuir os riscos de ser vitimado, a não ser se esconder. Contra alguém movido por uma psicopatia homicida, a proteção se resume a não se expor a nada, nem a ninguém.

Os crimes de Goiânia bem demonstram a sensação de impotência da sociedade, pois foram registrados sob as mais diversas situações. A qualquer hora, sem áreas de risco pré-definidas, um indivíduo numa motocicleta se aproxima e atira - ao que se apurou, sem nem mesmo estabelecer um contato com sua vítima. Para quem precisa andar pelas ruas, como se defender?

Contar com a polícia para esclarecer a autoria dos ataques e prender o criminoso é, claramente, insuficiente. Depois do primeiro assassinato, mais 14 mulheres perderam a vida até que surgissem os iniciais indícios de um suspeito. Para elas e suas famílias, nada do que acontecer depois tem a possibilidade de recompor suas perdas ou amenizar a dor.

É difícil dizer o que move a sanha assassina de um criminoso em série, quase sempre permeada por um grave distúrbio psíquico. Porém, é simples identificar um elemento que facilita sua ação: a fragilização da sociedade, de quem se retirou os meios de autodefesa. Ações destemidas e reiteradas, como as do assassino serial de Goiânia, só são possíveis porque não há, para ele, o risco de ser confrontado por suas vítimas ou, principalmente, por alguém que testemunhe o ataque.

Sempre que acontece um assassinato em massa nos Estados Unidos, nos acostumamos a ver surgir por aqui requentadas discussões sobre um maior controle de armas, ainda que, invariavelmente, isso não possa ter o mais ínfimo efeito para conter as ações. Com ataques de assassinos em série, impõe-se a discussão em outro sentido, desta vez com uma propriedade muito maior, relativa à permissão de que potenciais vítimas possam se defender ou ser defendidas por quem testemunha uma agressão.

Não se trata, como muitos insistem em resumir, de estimular que se reaja indistintamente, tampouco de distribuir armas sem critério a uma população. A abordagem precisa ser técnica, relativa ao efeito inibidor que a mera possibilidade de haver vítima ou testemunhas armadas representa para o agressor, algo muito comum aos que se aprofundam no estudo da segurança pública, nele conhecido como Halo Effect - ou efeito auréola, em livre tradução. Trata-se, apenas, de se reconhecer a substancial importância de não dar a criminosos a certeza da ausência de reação, seja por suas vítimas, seja por qualquer outro cidadão que presencie a ação.

Nos Estados Unidos, país com duzentas vezes mais armas legalizadas do que o Brasil e uma taxa de homicídios sete vezes inferior à nossa (29/100 mil aqui X 4,2/100 mil lá), assassinos em série e maníacos sexuais são mote frequente em campanhas publicitárias para estímulo à autodefesa, especialmente de mulheres, suas vítimas preferidas. Há até modelos de armas especiais para o público feminino, com empunhaduras mais delicadas e até cores diferenciadas, como o rosa. Por aqui, notícias sobre a ação de um criminoso serial só escancaram o quão indefesos estamos, fazendo-nos buscar ainda mais refúgio e, paulatinamente, abrir mão de atitudes simples do cotidiano social. 

Não é para menos. Para quem não vê o Estado capaz de conter a escalada de homicídios em que estamos atolados e não tem como se proteger, um exemplo como o do assassino de Goiânia difunde não apenas mortes, mas também um enorme medo em série.


*  Fabricio Rebelo | bacharel em direito, pesquisador em segurança pública e diretor executivo da ONG Movimento Viva Brasil.

>> Veja na seção Imprensa a repercussão deste artigo: 



quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Incoerência Tucana

Dando sequência a uma série de entrevistas com os candidatos à Presidência da República, o Portal G1 recebeu, na última segunda-feira, o tucano Aécio Neves. Em meio à habitual repetição do discurso comum à campanha, o candidato respondeu a perguntas enviadas por internautas, dentre as quais duas merecedoras de destaque.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Violência se alastra no interior.

Continua repercutindo, com justificada razão, a mais recente edição do Mapa da Violência, publicada neste mês de julho. O recorde de 56.337 homicídios em 2012 é mesmo assustador e o número de cidades com taxas de homicídio elevadas igualmente impressiona. Contudo, há um fator apontado pelo estudo que demanda especial atenção: a interiorização da violência homicida.

Há cerca de duas décadas, ou até menos, era comum, no discurso de alguém que queria tranquilidade, a afirmação de que se mudaria para o interior. Hoje, a estratégia precisa ser repensada. Muitas cidades do interior possuem taxas de homicídio acima das capitais.

De todas as cidades computadas no Mapa da Violência 2014, a primeira dentre as capitais, Maceió (AL), aparece apenas na 35ª colocação. É a única dentre as 50 primeiras colocadas, que mantêm, todas, taxas superiores a 81 assassinatos para cada 100 mil habitantes. A capital seguinte na lista, Fortaleza (CE), aparece na 60ª colocação.

O levantamento comprova um movimento migratório da violência homicida para o interior dos estados, onde, em regra, a estruturação policial é mais frágil - em alguns municípios é realmente precária. E o pior é que não se tem perspectiva de melhoria a curto ou médio prazo. Ao contrário, o que se tem constatado é um crescimento gradual nas ações criminosas e em sua organização, não raro com cidades inteiras feitas reféns da ação de bandidos.

Na Bahia, por exemplo, os roubos a banco em cidades do interior indicam que a situação saiu do controle. Em 2013, foram 193 ataques e, no primeiro semestre deste ano, o número já se aproxima de 100 ocorrências. São ações de guerrilha, com táticas de ataque bem articuladas, uso de armamento pesado e, quase sempre, explosivos, com os quais cofres e caixas eletrônicos são arrombados – e junto com eles voam pelos ares agências bancárias inteiras.

A população dessas cidades não tem o que fazer, senão assistir a tudo rezando para sair com vida. Em muitos casos, os bandidos iniciam o ataque pelas unidades de polícia, em regra imóveis de pequeno porte com meia dúzia (ou menos) de policiais, e, daí em diante, tomam, literalmente, conta da cidade. Reúnem a população nas praças, servindo-lhes de escudo humano, e atacam as agências, às vezes duas ou três de uma só vez. Fogem exibindo poder de fogo, disparando a esmo seus fuzis 7.62 e, também não raro, levando reféns.

Os ataques deixam mortos. Alguns são os policiais inicialmente feitos de alvo, outros são os reféns ou cidadãos comuns, baleados ao acaso para facilitar a fuga sem perseguição. E em populações mais reduzidas, como na maioria das cidades interioranas, qualquer homicídio adicional tem impacto relevante na respectiva taxa que os contabiliza.

Além dos ataques a banco, as cidades sofrem com a invasão das drogas, principalmente o crack. Em alguns casos a situação é absurda, com proprietários rurais sem conseguir sequer mão-de-obra para a lavoura ou a atividade pecuária, vendo a força de trabalho ser transformada em zumbis que mal conseguem responder o próprio nome. A droga traz o tráfico e, com ele, mais mortes.

Nenhuma atividade criminosa mata mais que o tráfico de drogas, direta ou indiretamente. Ao tráfico estão relacionados os assassinatos em disputas por pontos de venda, os mortos em brigas entre facções rivais, os acertos de conta e os latrocínios resultantes de ações para alimentar o vício, pagar dívidas ou fortalecer financeiramente as quadrilhas. Se o tráfico se alastra, as taxas de homicídio aumentam na mesma proporção.

De sinônimo de tranquilidade, o interior se tornou referência de fragilidade. Com polícia deficitária, população desarmada por ações governamentais e inevitável circulação de dinheiro, tornou-se atrativo polo para a prática delituosa. Os mais recentes números apenas comprovam isso.

A crise na segurança pública brasileira é grave, não havendo êxito sequer na contenção das atividades criminosas nas grandes cidades, com todos os recursos que lhes são inerentes. No interior, sem estes recursos, o quadro é catastrófico, verdadeiramente desesperador. O eixo central das políticas de segurança precisa ser urgentemente revisto, abandonando-se o foco estritamente social e combatendo aquilo que realmente mata, nas capitais ou no interior: a criminalidade habitual.

·        *  Fabricio Rebelo é bacharel em direito, pesquisador em segurança pública, diretor executivo e coordenador da ONG Movimento Viva Brasil na região Nordeste.

Leia este texto no: 

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Aécio se cerca de desarmamentistas.

A segurança pública nunca esteve tão no centro das preocupações do brasileiro. O Mapa da Violência, publicado anualmente, vem demonstrando os sucessivos recordes no número de assassinatos, até os espantosos 56.337 casos contabilizados em sua última edição, com uma taxa de 29 homicídios a cada 100 mil habitantes, quase o triplo do máximo aceitável pela ONU (10 / 100 mil) e, por isso, classificada com folga como "violência epidêmica".

Na raiz das causas para essa realidade inglória, desponta inconteste o fracasso das políticas de desarmamento, coroadas no primeiro governo petista, com o estatuto de 2003, lei que não promoveu a mais ínfima redução no número de mortes intencionais violentas, ao contrário. Em 2002, antes do estatuto, foram assassinadas no Brasil 49.695 pessoas; dez anos depois, com sucessivas campanhas de desarmamento e a extinção prática do comércio legal de armas, foram 56.337 vítimas. A constatação é óbvia, sem demandar qualquer esforço adicional de quem toma ciência dos fatos objetivos: a política desarmamentista é um enorme erro.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Política de (in)segurança pública.

Há alguns anos (está bem, há vários), uma música dos Paralamas do Sucesso era um hit nas rádios, com a história de um "caboclo presidente" que trazia a solução para o país, com a receita de dar livros para matar a fome do povo e pratos para prover sua educação. Um escracho, obviamente, para demonstrar o quão esdrúxulas eram, à época, as políticas públicas nacionais.

Passado um par de décadas, como diriam os norte-americanos, o "livro pra comida, prato pra educação" na letra daquela música se mantém impressionantemente atual, evidenciando que, por aqui, critérios técnicos parecem não ter nenhuma importância ao se traçar as diretrizes sob as quais o país será governado.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Desarmamento brasileiro: um fracasso incontestável.

O campo da segurança pública deveria ser imune aos experimentos ideológicos, pois nele as cobaias são os indivíduos, os cidadãos que formam a população de um país. Assim, quando a experiência falha, é essa cobaia que acaba morrendo, e isso, infelizmente, é o que vem se repetindo no Brasil.

O país escolheu o caminho errado quando identificou o grave quadro de violência homicida em que estava imerso, buscando soluções que passavam longe da real causa do problema e que, apenas, pretendiam transferir para a sociedade a responsabilidade por ele. Os resultados foram catastróficos e, hoje, o quadro homicida brasileiro é o pior desde que começou a ser pesquisado, há quase 35 anos.

Os dados estão disponíveis na prévia da edição 2014 do “Mapa da Violência”, o mais confiável do país e que tem reconhecimento oficial pelo Ministério da Justiça, por se basear no Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde. De acordo com ele, o país da Copa do Mundo de Futebol e dos próximos jogos olímpicos alcançou em 2012, o ano mais recente com dados contabilizados, seu recorde anual absoluto de homicídios: 56.337 vítimas, com a maior taxa histórica desde o início de seu cômputo (em 1980), de espantosos 29 assassinatos por 100 mil habitantes.

São números impressionantes, maiores, até mesmo, do que os de países em guerra. Sua explicação, embora possa incluir aspectos mais complexos, como tudo em segurança pública, apresenta um fator preponderante para o agravamento do quadro: o erro do desarmamento civil.

A ideia de desarmamento foi introduzida oficialmente no Brasil em 1997, quando foi promulgada a primeira lei efetivamente restritiva ao porte de arma pelo cidadão (Lei nº 9.437/97), através da qual foi também criado o SINARM – Sistema Nacional de Armas, destinado ao rigoroso controle de sua circulação legal. Poucos anos depois, no final de 2003, a legislação se tornou ainda mais proibitiva, com o “estatuto do desarmamento”, que teve como grande objetivo, justamente, reduzir a quantidade de homicídios no país. Tratava-se da colocação em prática de uma ideologia desarmamentista há muito elaborada pela ONU, ainda que sem nenhum exemplo comprovadamente positivo.

Obviamente, de nada adiantou. Os homicídios, como visto, não foram reduzidos, mas, ao contrário, chegaram agora à sua maior marca, e o que se dizia ser uma solução mágica se tornou um inquestionável e grandioso fracasso. Instituindo como regra geral a proibição à posse e ao porte de armas, o estatuto do desarmamento começou a produzir efeitos em 2004, ano em que foram registrados no Brasil 48.374 homicídios. Quatro anos depois, com a quase extinção prática do comércio legal de armas, os números chegavam a 50.113 (2008) e desde então vêm numa ascendente, até o recorde de 56.337, registrado em 2012.

No mesmo período, a quantidade de armas registradas no país despencou. Dos cerca de 8 milhões de registros que compunham o quadro inicial do SINARM, hoje apenas subsistem aproximadamente 600 mil, diante das grandes restrições impostas ao cidadão, até mesmo para a renovação daqueles registros que já existiam. A lei, assim, além de não contribuir para a redução de homicídios, provocou um enorme descontrole na circulação de armas no país, produzindo um efeito diametralmente oposto ao que se desejava. A realidade prática do experimento ideológico desarmamentista acabou indicando que a redução das armas legalmente em circulação gera um crescimento na quantidade de mortes intencionalmente violentas.

A compreensão deste aumento não é difícil. A questão é que políticas desarmamentistas, no Brasil ou em outros países, somente têm a possibilidade de afetar os crimes passionais, aqueles tratados no “Global Study on Homicide – 2014” da própria ONU como “interpersonal crimes”, cometidos por impulso e para os quais ter legalmente uma arma de fogo poderia ser um facilitador. Contudo, a participação desses crimes na quantidade total de homicídios no Brasil é ínfima, pois no país, de acordo com o mesmo estudo, a causa preponderante para os homicídios é a prática habitual de atividades criminosas – homicides related to other criminals activities -, ou seja, os assassinatos brasileiros têm relação direta com outros crimes, sobretudo o tráfico de drogas e os roubos.

Enquanto o Brasil insistia em políticas desarmamentistas que apenas fragilizavam o cidadão, deixou de combater as atividades criminosas das quais realmente decorrem os homicídios. Sem estar no foco das políticas de segurança pública e com a sociedade gradativamente indefesa, a criminalidade se fortaleceu e, com isso, mais e mais mortos vão sendo contabilizados.

O quadro é extremamente preocupante. O aumento da taxa de homicídios de 2011 para 2012 chegou a 7% e seu número absoluto já se fixou na casa dos 50 mil há 5 anos. Se o foco não for alterado e as políticas de segurança pública não passarem a entender o cidadão responsavelmente armado como um aliado, ao invés de um inimigo, o ano de 2016 poderá revelar mais recordes para o Brasil, porém, sem nenhuma relação com as disputas olímpicas que aqui acontecerão, mas sim com aqueles que, vitimados pela criminalidade, não as poderão assistir.

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Fabricio Rebelo, bacharel em direito, é pesquisador em segurança pública na ONG Movimento Viva Brasil.


Data Atual: