Apesar de festejadas por alguns setores, os indicadores criminais do país seguem demonstrando que as políticas de desarmamento não contribuem para a redução de homicídios.
O DATASUS, banco de dados do
Ministério da Saúde em que se contabiliza o total de homicídios cometidos no
país, finalizou o cômputo dos óbitos por agressão para o ano de 2014. O número,
que há alguns meses vinha sendo informado como "preliminar", fechou
em 59.681 assassinatos. É o recorde histórico, batido pela sexta vez nos
últimos sete anos.
Comparando-se o total de 2014 com os 56.804
homicídios de 2013, a alta registrada foi de 5,06%, a segunda maior em treze
anos. O crescimento foi ainda mais expressivo nas agressões letais cometidas
com emprego de arma de fogo, com 5,91%, alcançando o total de 42.755, no
somatório das três alíneas referentes às mortes intencionais armadas do intrincado
sistema (X93, X94 e X95), outro recorde na série de registros.
Os dados ratificam o já perceptível
colapso da segurança pública nacional. Ano após ano, seguimos contabilizando mais
cadáveres, ao passo que ouvimos discursos, em tangencial negação da realidade, invocarem
as mais mirabolantes explicações coletivistas para os atos homicidas, ignorando
qualquer possibilidade de tomá-los como opções criminosas de quem os pratica ou
de buscar efetivamente combatê-los.
Exemplo mais cabal desse verdadeiro
devaneio é a insistência no enaltecimento de políticas desarmamentistas. Mesmo com
homicídios crescendo continuamente, há quem, desprezando os números – ou
“torturando-os” -, rotule o nosso Estatuto do Desarmamento de grande sucesso,
responsável por conter uma escalada assassina até então reinante no país – como
se a possibilidade de estar ainda pior fosse algum alento.
A narrativa, permeada por inegável
ideologia, esbarra frontalmente nos indicadores criminais. Para que se pudesse
creditar efeitos positivos ao estatuto, seria necessário que, desde a sua
entrada em vigor (2004), os homicídios cometidos com uso de arma de fogo
(únicos possivelmente impactados pela lei) crescessem menos do que o total deles,
mesmo que ambos continuassem a aumentar.
Compondo um percentual dos óbitos
intencionais, os crimes com arma de fogo não são diretamente determinantes do
quantitativo global, mas o influenciam conforme sua variação. Se crescem menos
do que o total de agressões fatais, puxam o quantitativo para baixo; se crescem
mais, puxam-no para cima, caracterizando-se, conforme o caso, como fator de contenção
ou incremento. É essa a compreensão resultante da aplicação de critérios
estatísticos a qualquer análise de variáveis integrantes de um mesmo grupo
pesquisado, no caso, o dos assassinatos.
A grande questão é que, no Brasil, os
homicídios com arma de fogo registrados depois do Estatuto do Desarmamento
crescem mais do que seu total e, claro, os óbitos por outros meios. De 2004 a
2014, o total de mortes intencionais no país subiu de 48.374 para 59.681, ou
seja, um aumento de 23,37%. Os mortos com uso de arma de fogo saltaram de
34.187 para 42.755, correspondendo a um acréscimo de 25,06%, isto é, acima do
ritmo de crescimento desse tipo de crime. As mortes intencionais por outros
meios cresceram bem menos, 19,31%.
O mesmo crescimento se constata através de outros critérios comparativos. Entre 1993 e 2003 – intervalo de 11 anos imediatamente anterior ao estatuto -, foram registrados no Brasil 458.624 homicídios, sendo 292.735 como resultado do uso de armas de fogo, ou seja, um percentual de 63,83%. Já de 2004 a 2014 (11 anos seguintes à lei), foram 571.631 homicídios, com 405.704 pelo uso desse meio, isto é, 70,97% do total. A participação das armas de fogo na prática homicida, portanto, aumentou 11,19% depois do estatuto.
Outra também não é a conclusão se
usados os critérios analíticos pelas médias. Com os 458.624 homicídios entre
1993 e 2003, a média anual desses crimes foi de 41.693, sendo 26.612 com uso de
armas de fogo (292.735 ÷ 11). De 2004 a 2014, as mesmas médias saltaram para
51.966 (total) e 36.882 (com arma), respectivamente. Comparando-se as duas
variações, denota-se que a média anual de homicídios pós estatuto cresceu
24,64% e a dos cometidos com arma de fogo aumentou 38,59%, incremento
consideravelmente maior – 13,95 pontos percentuais acima, equivalendo a 56,62%
a mais.
Ideologicamente, o apoio às políticas
públicas de restrição ao acesso a armas pode resultar de diversos fatores,
alguns claramente identificáveis, outros nebulosos. Porém, usar os resultados
objetivos da experiência brasileira para justificar essas posturas é nada menos
do que impossível. Se há algo que a realidade nacional comprova sobejamente,
por qualquer prisma que se analise os indicadores, é que isso não funcionou por
aqui. Crescendo acima do total de homicídios, os crimes com arma de fogo vêm
contribuindo para o incremento dos índices de letalidade geral, e jamais para a
sua contenção.
A gravidade de nossa situação não
permite mais experimentos infundados ou a insistência em erros manifestos. É
imprescindível que os dados concretos sejam utilizados como balizadores de
nossas políticas públicas, abandonando-se as ideologias testadas e reprovadas.
O desarmamento é uma delas, por mais que se resista em admitir essa realidade.
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