Continua
repercutindo, com justificada razão, a mais recente edição do Mapa da
Violência, publicada neste mês de julho. O recorde de 56.337 homicídios em 2012
é mesmo assustador e o número de cidades com taxas de homicídio elevadas
igualmente impressiona. Contudo, há um fator apontado pelo estudo que demanda
especial atenção: a interiorização da violência homicida.
Há
cerca de duas décadas, ou até menos, era comum, no discurso de alguém que
queria tranquilidade, a afirmação de que se mudaria para o interior. Hoje, a
estratégia precisa ser repensada. Muitas cidades do interior possuem taxas de
homicídio acima das capitais.
De
todas as cidades computadas no Mapa da Violência 2014, a primeira dentre as capitais,
Maceió (AL), aparece apenas na 35ª colocação. É a única dentre as 50 primeiras
colocadas, que mantêm, todas, taxas superiores a 81 assassinatos para cada 100
mil habitantes. A capital seguinte na lista, Fortaleza (CE), aparece na 60ª
colocação.
O
levantamento comprova um movimento migratório da violência homicida para o
interior dos estados, onde, em regra, a estruturação policial é mais frágil -
em alguns municípios é realmente precária. E o pior é que não se tem
perspectiva de melhoria a curto ou médio prazo. Ao contrário, o que se tem
constatado é um crescimento gradual nas ações criminosas e em sua organização,
não raro com cidades inteiras feitas reféns da ação de bandidos.
Na
Bahia, por exemplo, os roubos a banco em cidades do interior indicam que a situação
saiu do controle. Em 2013, foram 193 ataques e, no primeiro semestre deste ano,
o número já se aproxima de 100 ocorrências. São ações de guerrilha, com táticas
de ataque bem articuladas, uso de armamento pesado e, quase sempre, explosivos,
com os quais cofres e caixas eletrônicos são arrombados – e junto com eles voam
pelos ares agências bancárias inteiras.
A
população dessas cidades não tem o que fazer, senão assistir a tudo rezando
para sair com vida. Em muitos casos, os bandidos iniciam o ataque pelas
unidades de polícia, em regra imóveis de pequeno porte com meia dúzia (ou menos)
de policiais, e, daí em diante, tomam, literalmente, conta da cidade. Reúnem a
população nas praças, servindo-lhes de escudo humano, e atacam as agências, às
vezes duas ou três de uma só vez. Fogem exibindo poder de fogo, disparando a
esmo seus fuzis 7.62 e, também não raro, levando reféns.
Os
ataques deixam mortos. Alguns são os policiais inicialmente feitos de alvo,
outros são os reféns ou cidadãos comuns, baleados ao acaso para facilitar a
fuga sem perseguição. E em populações mais reduzidas, como na maioria das
cidades interioranas, qualquer homicídio adicional tem impacto relevante na
respectiva taxa que os contabiliza.
Além
dos ataques a banco, as cidades sofrem com a invasão das drogas, principalmente
o crack. Em alguns casos a situação é
absurda, com proprietários rurais sem conseguir sequer mão-de-obra para a
lavoura ou a atividade pecuária, vendo a força de trabalho ser transformada em
zumbis que mal conseguem responder o próprio nome. A droga traz o tráfico e,
com ele, mais mortes.
Nenhuma
atividade criminosa mata mais que o tráfico de drogas, direta ou indiretamente.
Ao tráfico estão relacionados os assassinatos em disputas por pontos de venda,
os mortos em brigas entre facções rivais, os acertos de conta e os latrocínios
resultantes de ações para alimentar o vício, pagar dívidas ou fortalecer
financeiramente as quadrilhas. Se o tráfico se alastra, as taxas de homicídio
aumentam na mesma proporção.
De
sinônimo de tranquilidade, o interior se tornou referência de fragilidade. Com
polícia deficitária, população desarmada por ações governamentais e inevitável circulação
de dinheiro, tornou-se atrativo polo para a prática delituosa. Os mais recentes
números apenas comprovam isso.
A crise na segurança
pública brasileira é grave, não havendo êxito sequer na contenção das
atividades criminosas nas grandes cidades, com todos os recursos que lhes são
inerentes. No interior, sem estes recursos, o quadro é catastrófico,
verdadeiramente desesperador. O eixo central das políticas de segurança precisa
ser urgentemente revisto, abandonando-se o foco estritamente social e
combatendo aquilo que realmente mata, nas capitais ou no interior: a
criminalidade habitual.
· * Fabricio Rebelo é bacharel em
direito, pesquisador em segurança pública, diretor executivo e coordenador da
ONG Movimento Viva Brasil na região Nordeste.