Na solenidade de posse para o seu segundo mandato à
frente do Ministério Público do Estado de São Paulo, o procurador-geral de
Justiça, Márcio Elias Rosa, anunciou como principal medida da nova gestão a
adoção de mecanismos de controle do comércio de armas de fogo no estado, para
tentar uma forma de ‘mapeamento de seu DNA’. De acordo com o procurador, a
medida se justificaria no fato de ser legal a origem remota da maior parte das
armas utilizadas em atividades criminosas.
A premissa da qual parte o procurador, contudo, é falsa, não refletindo a realidade dos crimes praticados com arma de fogo. Não está no comércio legal de armas a fonte do abastecimento criminal, até porque, se isso fosse um fato, a redução de mais de 90% neste comércio na última década¹ teria representado impacto negativo nos arsenais criminosos, o que não é sequer imaginável.
A questão é que não há qualquer confiabilidade nos dados que são utilizados para embasar a premissa da origem legal do armamento. O Brasil simplesmente não possui nenhum banco de dados oficial sobre isso e seu sistema de rastreamento de armas apreendidas é primário, deixando de fora seu maior quantitativo. Isso porque, aqui, o rastreamento tem por base exclusiva o número de série das armas, o que faz com que somente as com número de série intacto sejam
rastreadas².
O problema é que estas são um percentual ínfimo do total de
apreensões, que abrangem, em sua grande maioria, armas com numeração adulterada
ou que nunca receberam numeração, o que indica a origem estrangeira ou desviada
de forças oficiais.
É necessário
desfazer o mito da origem legal das armas de fogo, o que pode ser conseguido
já com a mera separação do armamento apreendido por tipo. Se, ao invés de
apenas contabilizar as armas com número de série intacto, forem de logo
catalogados os tipos de arma apreendidas, a conclusão será diametralmente oposta àquela defendida pelo novo procurador-geral paulista. Afinal, em
lojas - e isso precisa ficar claro -, só são vendidos, no máximo, revólveres calibre .38 e
pistolas .380, o que está longe de ser o foco da criminalidade, com a qual são
diuturnamente apreendidos fuzis, metralhadoras e pistolas de calibres potentes,
jamais disponibilizadas no comércio legal.
A questão da violência no Brasil foi incluída no
Estudo Global de Homicídios, recentemente divulgado pela ONU³. O teor do
relatório de sua apresentação é claro, em sua tabela "7.1", ao evidenciar que o país é desprovido de qualquer informação oficial sobre as armas de fogo utilizadas no cometimento de crimes, o que torna a afirmação de sua origem legal um mero exercício de "achismo".
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Fabricio Rebelo é bacharel em direito e pesquisador em segurança pública na ONG Movimento Viva Brasil.