A indisfarçável expectativa de se poder noticiar tragédias com armas suplantando a efetiva apuração de ocorrências criminais comuns.
Na última terça-feira, disparos realizados dentro da faculdade Área 1, em Salvador, causaram pânico entre alunos, professores e funcionários da instituição. Num primeiro momento, em versão atribuída à própria polícia, o episódio foi narrado como fruto do ataque de um estudante que, tal como se reproduz freneticamente nas ocorrências nos Estados Unidos, teria entrado em surto e saído atirando nos colegas. Vários veículos locais de mídia estamparam essa versão, em manchetes acompanhadas de um chamativo "urgente". Não era, contudo, nem perto da realidade.
Os disparos ocorridos nas instalações da faculdade, conforme logo em seguida se apurou, não decorreram de nenhum surto, muito menos um ataque contra alunos da instituição. O que houve foi, apenas, mais uma reação a um assalto. Um dos alunos da faculdade, policial, foi abordado por um adolescente de 17 anos que, armado, tentava roubar-lhe a moto. Ao ser abordada, a vítima reagiu e acertou algumas vezes o criminoso, que tombou e veio a falecer em seguida.
Não é, obviamente, a primeira e nem será a última vez que uma notícia envolvendo armas de fogo tem sua versão inicial muito distante da realidade que, já no momento seguinte, é apurada. O episódio, contudo, chama a atenção para uma postura, talvez até inconsciente, de espera pela carnificina que dê notícia, quase implorando para que tenhamos no Brasil uma Columbine ou a repetição de Realengo.
Nos Estados Unidos, de onde se repercute - muito mais por aqui, é verdade - episódios de ataques contra escolas e universidades, alvos preferidos de psicopatas que ali não encontram resistência armada, os defensores de restrições ao armamento civil são vistos como abutres, que comemoram tragédias para reacender a discussão sobre suas ideologias. Por aqui, a contaminação parece já ser a mesma, com o esquecimento de que nosso problema não passa nem perto de ataques em escolas e de que nossa taxa de homicídios - sete vezes maior que a norte-americana - tem no crime comum sua raiz.
No Brasil, um disparo em local público jamais deveria ser inicialmente compreendido como um ataque insano, mas como repetição cotidiana da assustadora ação de criminosos comuns, os efetivos responsáveis pelas estatísticas de guerra civil que acumulamos.
O episódio da Área 1 é apenas mais um em que os disparos não foram praticados por um psicopata assassino, mas por quem se defendia de um criminoso que intentava praticar um roubo. Uma bem-sucedida reação legal armada a uma investida criminal também armada. Se algum surto houve no episódio, foi apenas de precipitação por quem o inicialmente noticiou.
* Fabricio Rebelo | bacharel em direito, pesquisador em segurança pública e diretor executivo da ONG Movimento Viva Brasil.
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