sábado, 6 de setembro de 2014

Números do Unicef são alarmantes - especialmente para os adultos.

As conclusões ocultas no estudo divulgado pelo Unicef sobre homicídios de crianças e adolescentes.
O Fundo das Nações Unidas para a Infância - Unicef divulgou no último dia 04 o estudo Hidden in Plain Sight (Escondidos à Plena Vista, em livre tradução), sobre homicídios de crianças e adolescentes em 190 países. Os dados sobre o Brasil são impressionantes, com o país figurando na segunda colocação em números absolutos de mortos e com a sexta pior taxa de homicídios nesse segmento populacional. Porém, além das conclusões diretas sobre assassinatos de crianças e adolescentes, a análise dos números conduz à constatação de um quadro ainda pior, sobre a alarmante taxa de homicídios brasileira na população acima dos 20 anos.

De acordo com os dados do Unicef, em 2012, ano a que se refere o estudo, foram vitimados no Brasil 11 mil crianças e adolescentes, assim considerados os com idade de zero até 19 anos, o que corresponde à taxa de 17 homicídios por 100 mil habitantes nessa faixa etária, ali também apontada. Naquele ano, a população brasileira, de acordo com indicadores do IBGE, somava 193.946.866 habitantes, o que, aplicando-se a fórmula de cálculo da taxa de homicídios (número de vítimas X 100.000 ÷ população), conduz à conclusão de que, em 2012, a população de crianças e adolescentes no Brasil era de 64.705.882.

Para o mesmo ano, o Mapa da Violência, estudo com conotação oficial utilizado no Brasil, registrou seu número recorde de assassinatos, com 56.337 vítimas, resultando na taxa geral de 29,05 mortos por 100 mil habitantes (também recorde). Assim, se os dados do Unicef estão corretos - e presume-se que estejam -, do número total de homicídios praticados no Brasil em 2012, 11 mil foram de crianças e adolescentes e o restante (45.337) de pessoas com vinte anos ou mais.

Por outro lado, tomando-se o total da população e a fração correspondente a crianças e adolescentes - revelada pelos dados do Unicef -, havia em 2012 no Brasil 129.241.004 pessoas com idade igual ou superior a 20 anos. E é aí que surge o dado mais preocupante, pois foi nesse universo que foram cometidos todos os demais homicídios, ou seja, dentre a população adulta, foram assassinadas 45.337 pessoas. Consequentemente, à época, a taxa de homicídios nessa faixa etária alcançou espantosas 35,08 ocorrências por 100 mil habitantes.

A grave realidade evidenciada pelo cotejo dos dados do IBGE, do Mapa da Violência e do Unicef para o ano de 2012 pode ser assim traduzida:


QUANTIDADE
NÚMERO DE HOMICÍDIOS
TAXA
POR 100 MIL
População total
193.946.886
56.337
29,04
Crianças e adolescentes
64.705.882
11.000
17,00
Adultos (≥ 20 anos)
129.241.004
45.337
35,08

O quadro agora retratado pelo Unicef sobre os homicídios de jovens é gravíssimo, sem nenhuma dúvida. Ver o fim de vidas que apenas deveriam estar começando é sempre inaceitável. Porém, a conclusão oculta nos mesmos números é ainda pior, evidenciando que a epidemia homicida no Brasil atinge os adultos de forma cruel, numa taxa três vezes e meia superior ao máximo aceitável pela ONU (de 10 por 100 mil).

Logo, apesar do impacto da violência contra os mais novos, é premente que a situação seja compreendida em sua inteireza, e não considerando estatísticas parciais, isolando segmentos populacionais. A gravidade do quadro é generalizada e é assim que ele precisa ser combatido. A infecção homicida não é isolada, mas de verdadeira sepsemia.


*  Fabricio Rebelo | bacharel em direito, pesquisador em segurança pública e diretor executivo da ONG Movimento Viva Brasil.

>> Confira a repercussão deste artigo: 


terça-feira, 2 de setembro de 2014

Sem direito a porte de arma, atirador desportivo morre em assalto.

Uma lamentável prova do grande risco a que estão expostos atiradores desportivos, ao serem obrigados a transportar suas armas em condições que impeçam seu uso para autodefesa.
O atirador desportivo Bruno Facchineli morreu durante um assalto em São Paulo, na noite do último sábado (30). Após a abordagem, os criminosos encontraram no carro de Bruno uma maleta (case) com uma pistola .40, usada por ele para a prática esportiva e que, na ocasião, estava sendo transportada como impõem as regras do Exército Brasileiro para essa categoria, isto é, desmuniciada e em embalagem própria.

Como nada ligam para as regras do Exército, os criminosos, ao encontrarem a arma, acharam que a vítima era policial e anunciaram que ele seria morto. Para tentar escapar, Bruno pulou do carro em movimento e não resistiu aos ferimentos.

A tragédia evidencia o grande risco a que estão submetidos os praticantes do Tiro Desportivo, que seguem obrigados por regras leoninas a transportarem suas armas sem que estejam aptas ao seu uso para defesa. A eles, também não é reconhecido o direito ao porte geral de arma de fogo, previsto na Lei nº 10.826/03 - o estatuto do desarmamento -, mas ainda não implementado, ao menos sob a concepção das autoridades que o poderiam autorizar.

Há mais de dois anos, uma audiência pública realizada na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados discutiu uma série de projetos de lei sobre porte de arma. Dentre eles, o PL 6.971/10, que trata dessa autorização para os atiradores desportivos e cuja defesa, na ocasião, honrosamente foi a mim delegada.

Em minha exposição, enfatizei, justamente, os riscos a que estão expostos os integrantes dessa categoria, a mais fiscalizada dentre as com acesso a armas de fogo e a menos prestigiada por nossa legislação. Expliquei o quão temerário é transportar armas sem condição de proteger-se com elas, ou mesmo protegê-las da investida de criminosos que as queiram subtrair. Fui enfático, o que, espero, tenha contribuído para a aprovação do projeto naquela comissão, cerca de um ano depois. Porém, desde então, a proposta segue parada na Comissão de Constituição e Justiça.

O vídeo daquela audiência está disponível abaixo. O que ali se abordou já parece mais do que suficiente para a aprovação do projeto, mas isso já virá tarde para o desportista Bruno, que, caso pudesse usar aquela arma para sua defesa, poderia ter tido outra sorte. Resta-nos esperar que outros casos semelhantes não ocorram enquanto o texto ainda é analisado.


domingo, 31 de agosto de 2014

Discurso desarmamentista tem hegemonia quebrada.

  • A mudança na postura de candidatos quanto às políticas de desarmamento impostas à sociedade brasileira.

À época do referendo sobre o comércio de armas e munições no Brasil, realizado em 2005, artistas, a grande mídia e a absoluta maioria dos políticos entoavam em uníssono o discurso favorável à aprovação do banimento. Surgiram os rótulos dicotômicos, entre os "da paz" e os "da bala", estes últimos aos quais era reservada a pecha de violentos, insensíveis e cruéis - afora um ou outro tom ainda mais ríspido, que lhes buscava questionar, até mesmo, a masculinidade. Raras eram as oportunidades em que os rótulos permitiam discussões técnicas e a sensação comum era a de vitória esmagadora do "sim".

Não foi o que aconteceu. Com um discurso embasado numa análise racional e que buscava preservar a possibilidade de legítima defesa como um direito, os contrários à proibição sagraram-se expressivamente vencedores, com mais de 60% dos votos computados. Nem assim a postura majoritária foi alterada e o que se viu, desde então, no campo político foi a sustentação a uma diretriz de governo que, desconsiderando a derrota nas urnas, impunha à sociedade a opção derrotada, criando entraves quase intransponíveis a quem tivesse interesse em adquirir uma arma. Campanhas de desarmamento se multiplicavam e as únicas representações da sociedade civil que tinham espaço eram as ricas ONGs desarmamentistas, parceiras do Ministério da Justiça.

Enquanto o governo seguia impondo o desarmamento, a violência crescia gradativamente no país, especialmente a homicida. Nem a quase extinção prática do comércio de armas (que sofreu 90% de redução), nem o recolhimento de centenas de milhares delas promoveram o menor efeito sequer para redução da criminalidade. Ainda assim, o discurso "da paz" era a tônica oficial e se podia contar nos dedos quantos políticos o confrontavam, sempre sob a mácula de integrarem a "bancada da bala", supostamente sustentada pela mítica indústria de armas e munições, como se esta fosse a expressão do mal na terra, de nada importando seu papel essencial na manutenção das próprias forças policiais brasileiras.

A hegemonia do discurso desarmamentista, no entanto, começou a ruir em 2012, pouco mais de seis anos após o referendo. Após a repercussão em redes sociais de um artigo jurídico criticando o estatuto do desarmamento, um deputado catarinense, em seu primeiro mandato federal, encampou a ideia de completa alteração da legislação atual e apresentou o Projeto de Lei n° 3.722/12, que revoga o estatuto do desarmamento e institui novas regras para a circulação de armas no país, mantendo-as sob controle do Estado, mas respeitando a vontade manifestada pela população, maciçamente contrária ao banimento das armas.

Logo após a apresentação do projeto, não lhe faltaram críticas dos setores "da paz". Contudo, muito maior do que elas foi o apoio popular à proposta, que rapidamente se tornou a mais bem avaliada no Disque Câmara e em diversos outros meios de submissão de projetos de lei à consulta da sociedade. O discurso favorável à legitima defesa cresceu substancialmente, tendo como combustível o incontestável fracasso do desarmamento, sob a égide do qual o Brasil alcançou seu recorde absoluto em número de homicídios, com mais de 56 mil assassinatos, em 2012.

Agora, em plena campanha eleitoral, são já incontáveis os candidatos que trazem no discurso a crítica ferrenha ao estatuto do desarmamento, propondo apoiar sua revogação e restabelecer o direito do cidadão à legítima defesa. Como expressão máxima desse fenômeno, no primeiro debate na TV aberta para o mais alto cargo em disputa, o de Presidente da República, um dos candidatos foi enfático ao defender que "todo cidadão tem o direito de ter uma arma em casa para defender sua família", algo absolutamente impensável há quatro anos, quando ocorreu a última campanha em âmbito federal.

Não importa quantos desses candidatos que agora assumem a crítica ao desarmamento serão eleitos - e, ao que indicam as pesquisas, muitos serão -, a primeira grande vitória contra as prejudiciais políticas desarmamentistas já foi alcançada. Com maciço apoio popular e multiplicação de representantes do direito à legitima defesa, a chamada "espiral do silêncio", que há anos imperava em favor do discurso antiarmas, foi quebrada. O próximo passo é revertê-la, ao ponto em que defender o desarmamento será motivo de vergonha - para quem a tem, claro.


*  Fabricio Rebelo | bacharel em direito, pesquisador em segurança pública e diretor executivo da ONG Movimento Viva Brasil.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Desaparecimento de advogado tem marca da impunidade.

  • Como foi possível a um foragido da Justiça viver livremente na capital baiana e continuar a cometer crimes graves.

A polícia baiana segue investigando o desaparecimento do advogado Ricardo Melo, ocorrido em abril deste ano. A hipótese mais provável, até o momento, é a de sequestro, sendo apontado como principal suspeito um vizinho, última pessoa a ser flagrada em sua companhia, através do circuito de monitoramento de vídeo de um posto de combustíveis.

O vizinho em questão é Paulo Roberto Gomez Guimarães Filho, vulgo "Paulinho Mega", um foragido da Justiça que vivia tranquilamente na capital baiana e que, segundo a polícia, se aproximou do advogado já com o objetivo de praticar o crime. Mega - que advém de seu traço megalomaníaco - tem longa ficha criminal, iniciada no estado do Mato Grosso, onde foi preso por tráfico internacional de drogas e homicídio. Condenado, conseguiu um dos muitos benefícios da legislação de execução penal brasileira e foi transferido para Salvador, onde passou a cumprir a pena em regime domiciliar. Foi a chance para continuar a delinquir.

Além do advogado Ricardo, outro vizinho já havia sido vítima de Mega. Um amigo de infância, apelidado de Kiko, após descobrir detalhes reveladores das mentiras em que o acusado vivia, foi assassinado a mando dele, também em Salvador. É o segundo homicídio apurado em sua carreira delinquente, que teve sua primeira morte permeada de grande crueldade, com a vítima sendo longamente torturada em um motel antes de ser assassinada.

Com uma ficha de crimes tão extensa, é de se indagar como Paulinho Mega continuava solto e, mais, sem nenhuma preocupação com sua condição de foragido da Justiça. Ele sequer se escondia, morando com o pai, em um dos bairros mais nobres da capital baiana, rodeado de integrantes da dita "alta sociedade".

O caso, embora chocante, é só mais um a evidenciar a falência do sistema punitivo brasileiro, que permite a criminosos de alto grau de periculosidade permanecerem em liberdade e continuarem a praticar crimes. No início do mês, uma chacina foi cometida no subúrbio ferroviário de Salvador, deixando seis mortos. O autor foi um detento que, beneficiado pela saída provisória para os Dia dos Pais, resolveu acertar contas com um desafeto, matando parentes e amigos deste, além de um homem que apenas passava pelo local.

A legislação penal sobre o cumprimento de penas no Brasil precisa ser urgentemente revista. É insustentável continuar concedendo benefícios como progressões de regime, saídas temporárias e indultos de forma indiscriminada, como na prática impõe uma realidade carcerária que impede ao Judiciário realizar uma análise individualizada de quem, efetivamente, pode ter direito a essas concessões.

A lógica do erro atual é a de que, sendo impossível aferir criteriosamente as concessões, para não deixar de beneficiar um preso que realmente faça jus ao benefício, acaba-se estendendo-o a muitos. Prioriza-se o direito dos presos, em detrimento da segurança da sociedade. Uma lógica invertida, pois punição pela prática de crime não pode ter como foco primordial qualquer direito do criminoso, mas a preservação daqueles que são por ele postos em risco. Se assim não o for, não há justiça penal,  há impunidade.

*  Fabricio Rebelo | bacharel em direito, pesquisador em segurança pública e diretor executivo da ONG Movimento Viva Brasil.

sábado, 9 de agosto de 2014

Medo em série.

Goiânia, capital do estado de Goiás, se tornou destaque na mídia brasileira e internacional. A ocorrência de assassinatos em série na cidade, vitimando mulheres, vem repercutindo constantemente nos principais jornais do país, chegando às páginas do The New York Times, nos Estados Unidos, e ao portal HLN.be. Desde o início dos ataques, foram vitimadas fatalmente 15 mulheres, com ao menos mais duas investidas frustradas. São números relevantes, que recrudescem a já preocupante tendência de alta de homicídios na cidade, cujas taxas aumentaram mais de 45% em uma década, como apontou a edição 2014 do Mapa da Violência. 

Diferentemente dos crimes ditos comuns, que têm a motivação patrimonial como elemento característico, os ataques intencionalmente letais, dissociados de outros objetivos, são um fator significativamente potencializador do medo na sociedade. Afinal, ao contrário daqueles em que o criminoso é movido pelo desejo de subtrair algo de valor de suas vítimas, ou mesmo daqueles em que busca saciar um impulso sexual, nos assassinatos em série o que se objetiva é puramente a morte. E, se a  morte é o objetivo do criminoso, não há receita para diminuir os riscos de ser vitimado, a não ser se esconder. Contra alguém movido por uma psicopatia homicida, a proteção se resume a não se expor a nada, nem a ninguém.

Os crimes de Goiânia bem demonstram a sensação de impotência da sociedade, pois foram registrados sob as mais diversas situações. A qualquer hora, sem áreas de risco pré-definidas, um indivíduo numa motocicleta se aproxima e atira - ao que se apurou, sem nem mesmo estabelecer um contato com sua vítima. Para quem precisa andar pelas ruas, como se defender?

Contar com a polícia para esclarecer a autoria dos ataques e prender o criminoso é, claramente, insuficiente. Depois do primeiro assassinato, mais 14 mulheres perderam a vida até que surgissem os iniciais indícios de um suspeito. Para elas e suas famílias, nada do que acontecer depois tem a possibilidade de recompor suas perdas ou amenizar a dor.

É difícil dizer o que move a sanha assassina de um criminoso em série, quase sempre permeada por um grave distúrbio psíquico. Porém, é simples identificar um elemento que facilita sua ação: a fragilização da sociedade, de quem se retirou os meios de autodefesa. Ações destemidas e reiteradas, como as do assassino serial de Goiânia, só são possíveis porque não há, para ele, o risco de ser confrontado por suas vítimas ou, principalmente, por alguém que testemunhe o ataque.

Sempre que acontece um assassinato em massa nos Estados Unidos, nos acostumamos a ver surgir por aqui requentadas discussões sobre um maior controle de armas, ainda que, invariavelmente, isso não possa ter o mais ínfimo efeito para conter as ações. Com ataques de assassinos em série, impõe-se a discussão em outro sentido, desta vez com uma propriedade muito maior, relativa à permissão de que potenciais vítimas possam se defender ou ser defendidas por quem testemunha uma agressão.

Não se trata, como muitos insistem em resumir, de estimular que se reaja indistintamente, tampouco de distribuir armas sem critério a uma população. A abordagem precisa ser técnica, relativa ao efeito inibidor que a mera possibilidade de haver vítima ou testemunhas armadas representa para o agressor, algo muito comum aos que se aprofundam no estudo da segurança pública, nele conhecido como Halo Effect - ou efeito auréola, em livre tradução. Trata-se, apenas, de se reconhecer a substancial importância de não dar a criminosos a certeza da ausência de reação, seja por suas vítimas, seja por qualquer outro cidadão que presencie a ação.

Nos Estados Unidos, país com duzentas vezes mais armas legalizadas do que o Brasil e uma taxa de homicídios sete vezes inferior à nossa (29/100 mil aqui X 4,2/100 mil lá), assassinos em série e maníacos sexuais são mote frequente em campanhas publicitárias para estímulo à autodefesa, especialmente de mulheres, suas vítimas preferidas. Há até modelos de armas especiais para o público feminino, com empunhaduras mais delicadas e até cores diferenciadas, como o rosa. Por aqui, notícias sobre a ação de um criminoso serial só escancaram o quão indefesos estamos, fazendo-nos buscar ainda mais refúgio e, paulatinamente, abrir mão de atitudes simples do cotidiano social. 

Não é para menos. Para quem não vê o Estado capaz de conter a escalada de homicídios em que estamos atolados e não tem como se proteger, um exemplo como o do assassino de Goiânia difunde não apenas mortes, mas também um enorme medo em série.


*  Fabricio Rebelo | bacharel em direito, pesquisador em segurança pública e diretor executivo da ONG Movimento Viva Brasil.

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quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Incoerência Tucana

Dando sequência a uma série de entrevistas com os candidatos à Presidência da República, o Portal G1 recebeu, na última segunda-feira, o tucano Aécio Neves. Em meio à habitual repetição do discurso comum à campanha, o candidato respondeu a perguntas enviadas por internautas, dentre as quais duas merecedoras de destaque.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Violência se alastra no interior.

Continua repercutindo, com justificada razão, a mais recente edição do Mapa da Violência, publicada neste mês de julho. O recorde de 56.337 homicídios em 2012 é mesmo assustador e o número de cidades com taxas de homicídio elevadas igualmente impressiona. Contudo, há um fator apontado pelo estudo que demanda especial atenção: a interiorização da violência homicida.

Há cerca de duas décadas, ou até menos, era comum, no discurso de alguém que queria tranquilidade, a afirmação de que se mudaria para o interior. Hoje, a estratégia precisa ser repensada. Muitas cidades do interior possuem taxas de homicídio acima das capitais.

De todas as cidades computadas no Mapa da Violência 2014, a primeira dentre as capitais, Maceió (AL), aparece apenas na 35ª colocação. É a única dentre as 50 primeiras colocadas, que mantêm, todas, taxas superiores a 81 assassinatos para cada 100 mil habitantes. A capital seguinte na lista, Fortaleza (CE), aparece na 60ª colocação.

O levantamento comprova um movimento migratório da violência homicida para o interior dos estados, onde, em regra, a estruturação policial é mais frágil - em alguns municípios é realmente precária. E o pior é que não se tem perspectiva de melhoria a curto ou médio prazo. Ao contrário, o que se tem constatado é um crescimento gradual nas ações criminosas e em sua organização, não raro com cidades inteiras feitas reféns da ação de bandidos.

Na Bahia, por exemplo, os roubos a banco em cidades do interior indicam que a situação saiu do controle. Em 2013, foram 193 ataques e, no primeiro semestre deste ano, o número já se aproxima de 100 ocorrências. São ações de guerrilha, com táticas de ataque bem articuladas, uso de armamento pesado e, quase sempre, explosivos, com os quais cofres e caixas eletrônicos são arrombados – e junto com eles voam pelos ares agências bancárias inteiras.

A população dessas cidades não tem o que fazer, senão assistir a tudo rezando para sair com vida. Em muitos casos, os bandidos iniciam o ataque pelas unidades de polícia, em regra imóveis de pequeno porte com meia dúzia (ou menos) de policiais, e, daí em diante, tomam, literalmente, conta da cidade. Reúnem a população nas praças, servindo-lhes de escudo humano, e atacam as agências, às vezes duas ou três de uma só vez. Fogem exibindo poder de fogo, disparando a esmo seus fuzis 7.62 e, também não raro, levando reféns.

Os ataques deixam mortos. Alguns são os policiais inicialmente feitos de alvo, outros são os reféns ou cidadãos comuns, baleados ao acaso para facilitar a fuga sem perseguição. E em populações mais reduzidas, como na maioria das cidades interioranas, qualquer homicídio adicional tem impacto relevante na respectiva taxa que os contabiliza.

Além dos ataques a banco, as cidades sofrem com a invasão das drogas, principalmente o crack. Em alguns casos a situação é absurda, com proprietários rurais sem conseguir sequer mão-de-obra para a lavoura ou a atividade pecuária, vendo a força de trabalho ser transformada em zumbis que mal conseguem responder o próprio nome. A droga traz o tráfico e, com ele, mais mortes.

Nenhuma atividade criminosa mata mais que o tráfico de drogas, direta ou indiretamente. Ao tráfico estão relacionados os assassinatos em disputas por pontos de venda, os mortos em brigas entre facções rivais, os acertos de conta e os latrocínios resultantes de ações para alimentar o vício, pagar dívidas ou fortalecer financeiramente as quadrilhas. Se o tráfico se alastra, as taxas de homicídio aumentam na mesma proporção.

De sinônimo de tranquilidade, o interior se tornou referência de fragilidade. Com polícia deficitária, população desarmada por ações governamentais e inevitável circulação de dinheiro, tornou-se atrativo polo para a prática delituosa. Os mais recentes números apenas comprovam isso.

A crise na segurança pública brasileira é grave, não havendo êxito sequer na contenção das atividades criminosas nas grandes cidades, com todos os recursos que lhes são inerentes. No interior, sem estes recursos, o quadro é catastrófico, verdadeiramente desesperador. O eixo central das políticas de segurança precisa ser urgentemente revisto, abandonando-se o foco estritamente social e combatendo aquilo que realmente mata, nas capitais ou no interior: a criminalidade habitual.

·        *  Fabricio Rebelo é bacharel em direito, pesquisador em segurança pública, diretor executivo e coordenador da ONG Movimento Viva Brasil na região Nordeste.

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sexta-feira, 11 de julho de 2014

Aécio se cerca de desarmamentistas.

A segurança pública nunca esteve tão no centro das preocupações do brasileiro. O Mapa da Violência, publicado anualmente, vem demonstrando os sucessivos recordes no número de assassinatos, até os espantosos 56.337 casos contabilizados em sua última edição, com uma taxa de 29 homicídios a cada 100 mil habitantes, quase o triplo do máximo aceitável pela ONU (10 / 100 mil) e, por isso, classificada com folga como "violência epidêmica".

Na raiz das causas para essa realidade inglória, desponta inconteste o fracasso das políticas de desarmamento, coroadas no primeiro governo petista, com o estatuto de 2003, lei que não promoveu a mais ínfima redução no número de mortes intencionais violentas, ao contrário. Em 2002, antes do estatuto, foram assassinadas no Brasil 49.695 pessoas; dez anos depois, com sucessivas campanhas de desarmamento e a extinção prática do comércio legal de armas, foram 56.337 vítimas. A constatação é óbvia, sem demandar qualquer esforço adicional de quem toma ciência dos fatos objetivos: a política desarmamentista é um enorme erro.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Política de (in)segurança pública.

Há alguns anos (está bem, há vários), uma música dos Paralamas do Sucesso era um hit nas rádios, com a história de um "caboclo presidente" que trazia a solução para o país, com a receita de dar livros para matar a fome do povo e pratos para prover sua educação. Um escracho, obviamente, para demonstrar o quão esdrúxulas eram, à época, as políticas públicas nacionais.

Passado um par de décadas, como diriam os norte-americanos, o "livro pra comida, prato pra educação" na letra daquela música se mantém impressionantemente atual, evidenciando que, por aqui, critérios técnicos parecem não ter nenhuma importância ao se traçar as diretrizes sob as quais o país será governado.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Desarmamento brasileiro: um fracasso incontestável.

O campo da segurança pública deveria ser imune aos experimentos ideológicos, pois nele as cobaias são os indivíduos, os cidadãos que formam a população de um país. Assim, quando a experiência falha, é essa cobaia que acaba morrendo, e isso, infelizmente, é o que vem se repetindo no Brasil.

O país escolheu o caminho errado quando identificou o grave quadro de violência homicida em que estava imerso, buscando soluções que passavam longe da real causa do problema e que, apenas, pretendiam transferir para a sociedade a responsabilidade por ele. Os resultados foram catastróficos e, hoje, o quadro homicida brasileiro é o pior desde que começou a ser pesquisado, há quase 35 anos.

Os dados estão disponíveis na prévia da edição 2014 do “Mapa da Violência”, o mais confiável do país e que tem reconhecimento oficial pelo Ministério da Justiça, por se basear no Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde. De acordo com ele, o país da Copa do Mundo de Futebol e dos próximos jogos olímpicos alcançou em 2012, o ano mais recente com dados contabilizados, seu recorde anual absoluto de homicídios: 56.337 vítimas, com a maior taxa histórica desde o início de seu cômputo (em 1980), de espantosos 29 assassinatos por 100 mil habitantes.

São números impressionantes, maiores, até mesmo, do que os de países em guerra. Sua explicação, embora possa incluir aspectos mais complexos, como tudo em segurança pública, apresenta um fator preponderante para o agravamento do quadro: o erro do desarmamento civil.

A ideia de desarmamento foi introduzida oficialmente no Brasil em 1997, quando foi promulgada a primeira lei efetivamente restritiva ao porte de arma pelo cidadão (Lei nº 9.437/97), através da qual foi também criado o SINARM – Sistema Nacional de Armas, destinado ao rigoroso controle de sua circulação legal. Poucos anos depois, no final de 2003, a legislação se tornou ainda mais proibitiva, com o “estatuto do desarmamento”, que teve como grande objetivo, justamente, reduzir a quantidade de homicídios no país. Tratava-se da colocação em prática de uma ideologia desarmamentista há muito elaborada pela ONU, ainda que sem nenhum exemplo comprovadamente positivo.

Obviamente, de nada adiantou. Os homicídios, como visto, não foram reduzidos, mas, ao contrário, chegaram agora à sua maior marca, e o que se dizia ser uma solução mágica se tornou um inquestionável e grandioso fracasso. Instituindo como regra geral a proibição à posse e ao porte de armas, o estatuto do desarmamento começou a produzir efeitos em 2004, ano em que foram registrados no Brasil 48.374 homicídios. Quatro anos depois, com a quase extinção prática do comércio legal de armas, os números chegavam a 50.113 (2008) e desde então vêm numa ascendente, até o recorde de 56.337, registrado em 2012.

No mesmo período, a quantidade de armas registradas no país despencou. Dos cerca de 8 milhões de registros que compunham o quadro inicial do SINARM, hoje apenas subsistem aproximadamente 600 mil, diante das grandes restrições impostas ao cidadão, até mesmo para a renovação daqueles registros que já existiam. A lei, assim, além de não contribuir para a redução de homicídios, provocou um enorme descontrole na circulação de armas no país, produzindo um efeito diametralmente oposto ao que se desejava. A realidade prática do experimento ideológico desarmamentista acabou indicando que a redução das armas legalmente em circulação gera um crescimento na quantidade de mortes intencionalmente violentas.

A compreensão deste aumento não é difícil. A questão é que políticas desarmamentistas, no Brasil ou em outros países, somente têm a possibilidade de afetar os crimes passionais, aqueles tratados no “Global Study on Homicide – 2014” da própria ONU como “interpersonal crimes”, cometidos por impulso e para os quais ter legalmente uma arma de fogo poderia ser um facilitador. Contudo, a participação desses crimes na quantidade total de homicídios no Brasil é ínfima, pois no país, de acordo com o mesmo estudo, a causa preponderante para os homicídios é a prática habitual de atividades criminosas – homicides related to other criminals activities -, ou seja, os assassinatos brasileiros têm relação direta com outros crimes, sobretudo o tráfico de drogas e os roubos.

Enquanto o Brasil insistia em políticas desarmamentistas que apenas fragilizavam o cidadão, deixou de combater as atividades criminosas das quais realmente decorrem os homicídios. Sem estar no foco das políticas de segurança pública e com a sociedade gradativamente indefesa, a criminalidade se fortaleceu e, com isso, mais e mais mortos vão sendo contabilizados.

O quadro é extremamente preocupante. O aumento da taxa de homicídios de 2011 para 2012 chegou a 7% e seu número absoluto já se fixou na casa dos 50 mil há 5 anos. Se o foco não for alterado e as políticas de segurança pública não passarem a entender o cidadão responsavelmente armado como um aliado, ao invés de um inimigo, o ano de 2016 poderá revelar mais recordes para o Brasil, porém, sem nenhuma relação com as disputas olímpicas que aqui acontecerão, mas sim com aqueles que, vitimados pela criminalidade, não as poderão assistir.

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Fabricio Rebelo, bacharel em direito, é pesquisador em segurança pública na ONG Movimento Viva Brasil.


quarta-feira, 21 de maio de 2014

"Mapear DNA" de armas legais é inútil.

Na solenidade de posse para o seu segundo mandato à frente do Ministério Público do Estado de São Paulo, o procurador-geral de Justiça, Márcio Elias Rosa, anunciou como principal medida da nova gestão a adoção de mecanismos de controle do comércio de armas de fogo no estado, para tentar uma forma de ‘mapeamento de seu DNA’. De acordo com o procurador, a medida se justificaria no fato de ser legal a origem remota da maior parte das armas utilizadas em atividades criminosas.

A premissa da qual parte o procurador, contudo, é falsa, não refletindo a realidade dos crimes praticados com arma de fogo. Não está no comércio legal de armas a fonte do abastecimento criminal, até porque, se isso fosse um fato, a redução de mais de 90% neste comércio na última década¹ teria representado impacto negativo nos arsenais criminosos, o que não é sequer imaginável.

A questão é que não há qualquer confiabilidade nos dados que são utilizados para embasar a premissa da origem legal do armamento. O Brasil simplesmente não possui nenhum banco de dados oficial sobre isso e seu sistema de rastreamento de armas apreendidas é primário, deixando de fora seu maior quantitativo. Isso porque, aqui, o rastreamento tem por base exclusiva o número de série das armas, o que faz com que somente as com número de série intacto sejam rastreadas². 

O problema é que estas são um percentual ínfimo do total de apreensões, que abrangem, em sua grande maioria, armas com numeração adulterada ou que nunca receberam numeração, o que indica a origem estrangeira ou desviada de forças oficiais

É necessário desfazer o mito da origem legal das armas de fogo, o que pode ser conseguido já com a mera separação do armamento apreendido por tipo. Se, ao invés de apenas contabilizar as armas com número de série intacto, forem de logo catalogados os tipos de arma apreendidas, a conclusão será diametralmente oposta àquela defendida pelo novo procurador-geral paulista. Afinal, em lojas - e isso precisa ficar claro -, só são vendidos, no máximo, revólveres calibre .38 e pistolas .380, o que está longe de ser o foco da criminalidade, com a qual são diuturnamente apreendidos fuzis, metralhadoras e pistolas de calibres potentes, jamais disponibilizadas no comércio legal.

A questão da violência no Brasil foi incluída no Estudo Global de Homicídios, recentemente divulgado pela ONU³. O teor do relatório de sua apresentação é claro, em sua tabela "7.1", ao evidenciar que o país é desprovido de qualquer informação oficial sobre as armas de fogo utilizadas no cometimento de crimes, o que torna a afirmação de sua origem legal um mero exercício de "achismo".



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Fabricio Rebelo é bacharel em direito e pesquisador em segurança pública na ONG Movimento Viva Brasil.

domingo, 18 de maio de 2014

Violência brasileira não é questão social, é criminal.

A Organização das Nações Unidas publicou este ano (2014) uma nova edição do "Estudo Global de Homicídios" (Global Study on Homicide), levantamento produzido pelo Escritório sobre Drogas e Crimes da entidade, contendo as taxas de homicídio em diversos países espalhados pelos cinco continentes. Embora os resultados sejam semelhantes àqueles já divulgados na edição de 2011 do mesmo estudo - pouquíssimo repercutido no Brasil -, os dados agora parecem ter acendido uma luz de alerta nas autoridades de segurança no país, certamente diante do fato de estarem aqui nada menos que onze das trinta cidades mais violentas do mundo.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Greve da Polícia Militar e Desarmamento: o pesadelo da segurança pública.

Salvador, a capital baiana, viveu momentos de caos entre os dias 15 e 17 de abril, por conta de mais uma greve da Polícia Militar, a segunda em menos de dois anos e a terceira na história recente do estado. Tal como já havia ocorrido nas paralisações anteriores, a cidade experimentou um pico de criminalidade, com mais de cinquenta homicídios, quase uma centena de roubos de carros e um sem-número de crimes patrimoniais, incluindo diversos saques a estabelecimentos comerciais. O cenário foi desesperador.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Reação não é excludente de ilicitude – nem de crueldade.

Não é difícil para o cidadão comum que acompanha os noticiários acreditar que quase todas as vítimas de latrocínio reagiram à investida dos criminosos e, por isso, acabaram morrendo. Esse é o discurso repetido à exaustão por grande parte da mídia, por autoridades e, sobretudo, pelas ricas ONGs “da paz” e dos direitos humanos – que parecem ser privativos dos criminosos. Pouco importa o descompasso da narrativa com a realidade, muito menos o que de fato poderia ser chamado de reação, o fundamental parece ser alimentar o discurso ideológico do “não reaja".

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

UPP - A Ocupação Paliativa.

A notícia de que o comandante geral das UPPs – Unidades de Polícia Pacificadora do Rio de Janeiro se feriu durante um tiroteio na favela da Rocinha traz à tona, mais uma vez, a discussão sobre a efetividade do modelo de combate às atividades criminosas através de políticas de ocupação. Afinal, ocupar as favelas é eficaz contra o tráfico de drogas?

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Falta seriedade com a segurança pública.

Os pré-candidatos Eduardo Campos e Marina Silva, ainda indefinidos quanto aos cargos eletivos que poderão disputar em outubro, apresentaram na terça-feira as diretrizes programáticas para uma possível gestão no Executivo Federal. O material é uma espécie de prévia do programa de governo, que foi estruturado numa divisão em eixos temáticos, totalizando cinco. No último deles, aborda-se a questão da segurança pública.


domingo, 2 de fevereiro de 2014

Alternativa ou impunidade?

A crise no presídio de Pedrinhas, no Maranhão, reacendeu o debate sobre a caótica situação do sistema carcerário brasileiro. A discussão tem como base, invariável e acertadamente, a superpopulação das unidades prisionais, problema crônico do qual decorre, para o Estado, verdadeira impossibilidade de controlar seus presos. Mas o que fazer para começar a resolver esta grave questão?

domingo, 26 de janeiro de 2014

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Nordeste brasileiro: região mais violenta do mundo.

A organização não governamental mexicana Conselho Cidadão para a Segurança Pública e Justiça Penal divulgou um estudo relacionando as 50 cidades mais violentas do mundo em 2013, dentre aquelas com mais de 300 mil habitantes. Delas, 16 são brasileiras, sendo 09 na Região Nordeste, incluindo oito capitais.

Os dados são alarmantes, nenhum outro país teve tantas cidades incluídas na listagem. Depois do Brasil, o segundo colocado foi o México, com 9 cidades, quantitativo que corresponde, apenas, aos municípios nordestinos brasileiros constantes do rol.

À exceção de Teresina (PI), todas as capitais do Nordeste constam na relação das maiores taxas de homicídio mundiais, sendo que o estado da Paraíba, além da capital João Pessoa, teve também incluído o município de Campina Grande. A pior performance no país foi a da capital alagoana, Maceió, com um índice de homicídios de 79,76 por 100 mil habitantes, seguida de muito perto por Fortaleza (CE), com 72,81 por 100 mil.

50 cidades mais violentas do mundo

A criminalidade no Nordeste é hoje um problema crônico. A média da região, como apontam os dados colhidos no estudo mexicano (54,6/100 mil), é mais que o dobro da média nacional - por volta de 26 / 100 mil, de acordo com a última edição do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Triste realidade.

Como em qualquer outra região, a compreensão das causas da criminalidade nordestina é complexa. Porém, na análise do fenômeno regional, alguns fatores surgem claros como contributivos para a instauração do quadro atual.

O primeiro e mais óbvio é a robusta expansão das atividades relacionadas ao tráfico de drogas, que se instalaram na região de forma rápida e com pouca resistência. Há pouco mais de uma década, quadrilhas de tráfico de drogas eram quase exclusividade da Região Sudeste do país. Com a forte repressão que ali começaram a sofrer, notadamente com as políticas de pacificação no Rio de Janeiro e a desarticulação das organizações em São Paulo, os criminosos viram-se forçados a migrar para outros estados, inicialmente em fuga. E o destino foram as cidades nordestinas.

Não tardou para que a escolha se revelasse acertada. Sem um histórico de combate efetivo ao tráfico, os estados da região foram verdadeiramente invadidos e dominados, potencializando suas vítimas fatais, pois onde o tráfico se instala a morte se multiplica. Hoje, os estudos das secretarias de segurança pública estaduais indicam que mais de 60% dos homicídios têm ligação direta com o tráfico de drogas.

O segundo fator que se evidencia é a utilização de uma estratégia errada no combate à violência. Com fama de região de “pistoleiros”, herdada de uma já remota época em que o Cangaço era a sua marca, o Nordeste serviu de celeiro para o que o governo federal considerava – ou dizia considerar - a solução para altos índices de homicídio: o desarmamento civil.

Nenhuma outra região do país teve tanto investimento em campanhas de desarmamento como o Nordeste. E os dados do Ministério da Justiça indicam que, no recolhimento de armas, ali se conseguiu uma ótima adesão. Nas primeiras edições da campanha, Sergipe e Alagoas foram os estados com maior número de armas entregues, mas isso, como mais uma vez se mostra, não produziu nenhum efeito no número de homicídios. As capitais dos dois estados surgem agora entre as 50 cidades mundialmente mais violentas.

Enquanto se investia em retirar de circulação armas sem potencial letal – as únicas atingidas por campanhas de desarmamento -, o tráfico se expandia. Era uma organização extremamente “profissional” sendo combatida de forma surpreendentemente amadora, a ponto de, em alguns estados nordestinos, até há bem pouco tempo, sequer se admitir oficialmente que ali havia quadrilhas instaladas. Tentava-se a salvação pela negação.

Hoje, a questão não pode ser mais ignorada. A cada estudo a situação nordestina parece piorar e é necessário adotar medidas urgentes e efetivas para evitar o caos. Algumas, é fato, já se iniciaram, mas é um jogo em que a reação somente começou a ser esboçada com um placar já muito adverso. Resta saber se ainda é possível reverter o quadro, ou se caminharemos ainda mais rumo a outro indesejável título: o de região mais perigosa do planeta.

Considerando o histórico nordestino recente, aliado à sua extensão territorial, à densidade demográfica e à divisão geopolítica, o título parece estar garantido.

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Fabricio Rebelo | bacharel em direito, pesquisador em segurança pública, diretor e coordenador regional (NE) na ONG Movimento Viva Brasil.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

A Opção pela Enxada.

Pedro Marangoni é, infelizmente, um personagem brasileiro pouco conhecido, um tipo de herói de guerras esquecido em tempos de paz e império do politicamente correto. Ex-piloto da Força Aérea Brasileira, integrou-se à Legião Estrangeira Francesa na década de setenta e, a partir daí, lutou em diversos conflitos no continente africano, sempre contra regimes ditatoriais. Sua história é contada no livro “A Opção pela Espada”, de sua autoria.

Enquanto Marangoni conta uma briosa e corajosa história em seu livro, uma notícia recente, veiculada na seção policial de alguns jornais, nos remete a uma triste e vergonhosa realidade brasileira: o acovardamento da sociedade.

O caso noticiado aconteceu em Uberaba, interior mineiro. Mais uma lotérica, cheia de clientes, foi assaltada. Até aí, nada de anormal, são milhares as ocorrências assim. O inusitado está na arma utilizada pelo assaltante: uma enxada.

Por mais surreal que possa parecer, o assaltante chegou à lotérica em uma moto, com a enxada nas mãos. Se dirigiu ao caixa, arrombou uma porta e, ameaçando usar sua “arma” contra os presentes, levou o dinheiro que conseguiu. À exceção de um ou dois que saíram discretamente, os clientes acompanharam a ação estáticos, como se a “arma” do assaltante fosse de uma enorme letalidade em massa.

A ação, filmada por câmeras de segurança que registram sem nada coibir, demonstra o quanto a sociedade está tomada pelo pânico. Não se raciocina mais sobre a efetividade ou extensão da ameaça, simplesmente há a rendição ao menor sinal de ataque. Não tarda e alguém vai conseguir roubar sob a grave ameaça de um grito – “passa a carteira ou eu vou gritar!”. É o comportamento que resulta da disseminação histérica do discurso de não reação, como se isso fosse garantia de sobrevivência – e não é, haja vista os inúmeros casos noticiados diariamente sobre latrocínios sem que a vítima sequer esboce reagir.

O fato é que o medo está instalado, e uma população com medo aceita e cede a tudo. Cenário perfeito para a profusão do autoritarismo e a multiplicação incontrolável da violência.

Há dez anos, o país elegeu as armas de fogo como vilãs da criminalidade e desarmou o cidadão, ao passo em que os bandidos, que pouco ligam para as leis, se armaram ainda mais. Sem armas para se defender, qualquer coisa serve para atacar, o que comprovam os cada vez mais frequentes casos de crimes cometidos com os mais variados objetos. Facas, machados, martelos, pedras, garrafas, ou um guarda-chuva, qualquer coisa que se levante é o suficiente para paralisar cidadãos amedrontados. Para o bandido, é só fazer a opção; a do ladrão de Uberaba foi pela enxada.

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Fabricio Rebelo é bacharel em direito, pesquisador em segurança pública e diretor executivo nacional na ONG Movimento Viva Brasil.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Números da SSP/BA indicam crescimento de latrocínios.

Latrocínios em alta
Os dados apresentados no último dia 14 de janeiro pela Secretaria de Segurança Pública da Bahia, com o comparativo entre os crimes cometidos nos anos de 2012 e 2013, seguem sendo comemorados pelo governo. De acordo com eles, em média, os crimes violentos contra a vida - homicídio, latrocínio e lesão corporal seguida de morte - foram reduzidos em 10%. Contudo, em Salvador, um fato chama negativamente a atenção: o crescimento das mortes nos bairros residenciais mais centrais e nobres.

Enquanto a periferia da capital e os bairros tradicionalmente mais favelizados se destacaram na redução de ocorrências, as áreas centrais, abrigando bairros como Pituba, Rio Vermelho e Barra, experimentaram aumentos substanciais, chegando, no caso da Pituba, a 66,7% de crescimento.

A SSP/BA divide a capital baiana em Áreas Integradas de Segurança Pública (AISP). São 16 no total e, delas, em 7 (sete) houve aumento nos crimes de morte, destacando-se as áreas centrais de classe média-alta. Além da Pituba (66,7% a mais de óbitos violentos), também houve mais vítimas em 2013 do que em 2012 nas áreas dos bairros centrais do Rio Vermelho (+29,6%), Barris (+22%), Barra (+16,7%) e Brotas (+9,6%).

Muito mais do que uma disparidade estatística ou uma evidenciação das diferenças sociais soteropolitanas, os números são emblemáticos. Concomitante à redução dos crimes de morte relacionados a atividades criminosas habituais, os motivados por interesses patrimoniais cresceram. É nesse grupo que se inserem os latrocínios.

Em Salvador, a exemplo do que ocorre em inúmeras outras cidades brasileiras, os homicídios cometidos na periferia e nas favelas têm causas diretas diferentes daqueles que ocorrem nos bairros de classe média-alta. É nas primeiras que estão instaladas as atividades do crime organizado, notadamente o tráfico de drogas. Consequentemente, nessas áreas são maiores as ocorrências tendo os próprios criminosos como vítimas, motivadas por disputas de pontos de venda de drogas, acerto de contas ou guerra de quadrilhas.

No mês de julho do ano passado, a própria Secretaria de Segurança Pública já divulgava que cerca de 70% dos homicídios cometidos em Salvador decorriam diretamente do tráfico de drogas¹, com concentração de ocorrências nas referidas localidades. 

Já o crime de morte que ocorre nos bairros nobres tem, essencialmente, motivação patrimonial, visando, não o homicídio em si, mas o roubo. Esse quantitativo é composto, quase exclusivamente, por crimes de latrocínio. A morte da vítima é fator consectário da subtração de seu patrimônio.

Ao se demonstrar que os crimes que resultaram em morte nos bairros nobres da capital baiana cresceram (e cresceram significativamente), ao tempo em que a periferia e as favelas tiveram redução, o que também se evidencia é que o perfil das vítimas de homicídio está sofrendo uma mudança. Se a guerra do tráfico foi menos letal, mais cidadãos comuns foram mortos, o que jamais pode ser uma boa notícia.

Não se trata, em absoluto, de valorizar mais um tipo de vítima do que outro. Longe disso. A questão é que, ao se envolver com o tráfico ou com qualquer outra atividade criminosa, o indivíduo assume o risco de morrer por consequência de seus atos. Porém, para ser vitimado por latrocínio, basta apenas o cidadão estar vivo e aparentar ter algum bem, sem fazer nenhuma opção pelo risco da criminalidade.

Seria interessante se a SSP/BA divulgasse separadamente os casos de latrocínio, ao invés de incluí-los nos chamados Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI), que também contabilizam os homicídios diretos e as lesões corporais seguidas de morte. O índice de latrocínio é essencial para se compreender o perfil das vítimas fatais da criminalidade, afinal, é ele, dentre os CVLIs, o crime mais aleatório, que não conta com nenhuma concorrência da vítima ou relação desta com seu agressor. É o crime que aflige diretamente o cidadão comum.

Em Salvador, pelos números divulgados, os latrocínios estão em alta e, com isso, esse cidadão comum está cada vez mais acuado. 

¹ http://www.comunicacao.ba.gov.br/noticias/2013/07/09/69-dos-homicidios-em-salvador-estao-ligados-ao-trafico-de-drogas-diz-estudo

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Fabricio Rebelo é bacharel em direito, pesquisador em segurança pública e diretor executivo nacional na ONG Movimento Viva Brasil.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Entrevista | Rádio Estadão

Crise no sistema carcerário do Maranhão não é uma situação nova e reflete problemas em todo o país.

A análise é do diretor nacional da ONG Movimento Viva Brasil, Fabrício Rebelo. Ele conversou sobre o assunto com a jornalista Tatiana Ferraz.


quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

É preciso controlar os assassinos.

Ainda repercutindo o brutal - e mais gravemente banal - assassinato da miss venezuelana Mónica Spear, A Folha de São Paulo publica hoje um texto tentando, pela enésima vez, relacionar a insegurança urbana à ausência de um controle de armas. E erra de novo, feio.

Mesmo que surpreenda positivamente com o reconhecimento, infelizmente tardio em relação a todos os estudos que se multiplicam sobre o tema, de que a quantidade de armas em circulação numa sociedade não define seus índices de homicídio (até a ONU reconhece isso desde 2011), o texto se deixa levar pelo cômodo superficialismo do discurso de que armas, legais ou ilegais, são ruins e geram violência. Pior, equipara umas e outras como causa de crimes de morte.

À esta altura do debate sobre armas e a profundidade que o tema já assumiu, o texto da Folha beira o infantilismo pueril. Falar que o problema dos homicídios é "o revólver na mesa da cozinha", pouco importando se ele é legalizado ou não, é retroceder no debate pelo menos uma década.

O argumento sucumbe em segundos. Primeiro, basta que sejam invocados os dados sobre os crimes cometidos com armas legalizadas. Seu quantitativo é estatisticamente ínfimo, a ponto de ser desprezado. Tanto que, apesar de um enorme esforço bancado com generosos recursos direcionados, nem mesmo as ferrenhas entidades desarmamentistas conseguiram levantar essa bandeira. 

Segundo, ao contrário do que insinua o articulista, os crimes passionais respondem por um universo inferior a 8% do total de homicídios brasileiros. Explica-se: crimes passionais são, em ciência criminal, de facílima elucidação, justamente porque são cometidos por impulso, sem a preocupação do homicida com as consequências de seu ato ou fatores relacionados à ocultação da autoria. Porém, dos 50 mil homicídios cometidos todos os anos no Brasil, apenas 4 mil são elucidados, isto é, apenas 8%. É neste total que se inserem os crimes passionais.

Um exemplo: nesta semana, uma mulher foi morta numa passarela de Salvador, capital baiana. O crime ocorreu no início da manhã e, ao meio-dia, a autoria já estava esclarecida. Um ex-namorado, inconformado com o fim do relacionamento, a matou. É a regra, quando há vinculação prévia entre homicida e vítima, o crime é resolvido rapidamente.

Daí o erro grosseiro em se tentar relacionar a violência homicida brasileira a crimes passionais. Está longe de ser um fato. Se fosse, os índices de resolução criminal brasileiros seriam altíssimos, não a vergonha que são.

Por mais que se busque atribuir às "armas descontroladas" a responsabilidade pelos assassinatos, o problema não é o meio, mas o autor. Controladas ou não, armas não matam sozinhas, e isso vale para um fuzil ou um abridor de lata. Se é para controlar alguma coisa, por que não se fala em controlar o criminoso, punindo-o e fazendo temer as consequências de seus atos?

É incrível, mas a solução do sofá ainda parece contar uma legião de adeptos. Enquanto isso, os homicidas contumazes, munidos de potentes armas ilegais, agradecem ficarem fora do foco. E na mira, mesmo, o cidadão que luta, com cada vez mais dificuldade, para não virar estatística. Até quando?

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Fabricio Rebelo é bacharel em direito e pesquisador em segurança pública na ONG Movimento Viva Brasil.
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